sábado, 10 de julho de 2010

o garoto que tinha medo do futuro

por guilherme bernardes

o garoto que tinha medo do futuro
não sabia se controlar.
se perdia em prantos
ao tocarem no assunto.
era pior do que uma faca a sua frente.

lhe disseram pra procurar
tratamento.
não dava pra conversar
assim.
ele se irritava,
tornava impossível lhe entenderem
e não ouvia a mais ninguém.

o futuro era mascarado demais
era desconhecido demais.
controle sobre ele, o garoto
não tinha.
o que o fazia se borrar todo.

talvez se ele planejasse
as coisas, o medo fosse embora.
houve uma época em que
ele fez isso.
não havia medo, mas
seus planos nunca funcionavam.

agora,
sem planos,
sem esperança,
ele espera o futuro
com o cu na mão.

o acidente

por guilherme bernardes

eu tinha uma vida normal para dos padrões atuais. um emprego de merda, uma família ausente e pouquíssimos amigos. adorava poder me entorpecer no fim de semana e, sempre que me sobrava um tempo livre, eu o desperdiçava...melhor, aproveitava...ah! eu o ocupava dormindo.

claro que eu tive sonhos. desde jovem você começa a acumular metas e sempre deixa pra quando sua vida estiver mais "estabilizada", mas isso leva tempo. quando você menos espera, sua maior ambição é conseguir subir do posto de garoto de recados para alguém com seu próprio escritório. ser um escritor, um músico, até mesmo viajar...isso nem passa mais na sua cabeça.

minha revolução foi meio inesperada. a automatização das minhas ações era perfeitamente normal e já tinha me acostumado com isso. era uma tarde comum, cinzenta e fria. ia comprar um cachorro-quente na esquina quando um ônibus passa correndo. por instinto, escapei jogando-me na calçada. mas o rapaz ao meu lado não conseguiu.

enquanto eu caia no chão, vi tudo acontecer. foi como se o mundo todo começasse a girar em câmera lenta, e eu observei cada detalhe do acidente. um lapso de pavor tomando conta do rosto do sujeito, uma inútil tentativa de parar o veículo com com as mãos e vi o sangue jorrar quando a cabeça foi atingida. tenho pra mim que o barulho de seus ossos quebrando foi mais alto que os pneus cantando na freiada brusca, até mesmo que o grito de pânico que saiu daquela boca antes do cara apagar.

em poucos segundos uma multidão se aglomerou ao redor de nós. uma ambulância veio rápido. mas tudo acontecia tão rápido. acho que o universo estava compensando a hora do acidente, que tudo estava devagar demais. perguntaram-me se eu estava bem. balbuciei que sim e me mantive quieto. vi os paramédicos porem o corpo numa maca e saírem com pressa. não havia saco preto nenhum. o filho da puta ainda estava vivo! saí correndo em desespero.

cheguei ao meu apartamento, entrei no elevador e subi até o meu andar. abri a porta e depois passei todas as trancas possíveis. comecei a andar em círculos. por algum motivo eu me sentia culpado por tudo aquilo. que coisa mais imbecil! a culpa não era minha...ou era? tomei vários calmantes de uma vez e dormi.

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um raio de sol chegava até meus olhos pela fresta da cortina. o dia recém amanhecia, pássaros cantavam. era tudo tão bonito. onde é que eu vim parar? isso não estava nenhum pouco normal. achei que era melhor eu me levantar.

de repente me dei conta que aquele não era meu quarto. era muito maior. estava numa cama de casal e uma mulher ao meu lado. ela acorda com meus movimentos e diz: "tudo bem, amor?" como assim?! eu não tenho namorada! ouço passos de alguém correndo, passos pequenos, de criança. então uma garotinha entra no quarto e pula na cama. "papai! papai! vamos no parque hoje?" papai?! puta que pariu! que merda é essa?!

milhares de flashes tomam conta da minha mente. uma vida inteira, que não era a minha, passa diante dos meus olhos. as cenas do meu casamento, o funeral da minha mãe, o nascimento da minha filha...estava tudo fazendo sentido novamente.

"claro, querida. e aonde mais você quiser!" eu respondi. com pressa, ela saiu da cama e voltou para seu quarto, provavelmente escolher a roupa mais bonita pra sair hoje. eu nunca tinha me sentido tão bem. achei que não havia como melhorar. foi quando olhei pro lado e vi minha esposa. todos os nossos momentos felizes passaram em minha cabeça, assim como a lembrança de o quanto eu a amava.

"faz tempo que não te vejo assim, de bom humor..." ela disse. "que tal aproveitar e tomar um banho comigo, então?" respondi. com seu lindo olhar de malícia ela acena que sim com a cabeça e ambos fomos juntos pro banheiro.

cada centímetro de seu corpo parecia esculpido a mão. ela era linda. começamos a nos beijar apaixonadamente e então a passar as mãos um pelo corpo do outro. estávamos já excitados e a penetrei. sexo nunca tinha essa sensação comigo. costumava ser algo vulgar, carnal. com ela existia sentimento, era sensacional. gozamos juntos, nos lavamos e saímos do banho.

minha filha já estava pronta e ansiosa para sair. era fim de semana, depois de eu trabalhar tanto. eu agora me tornara professor, e amava o que fazia. gentilmente minha mulher me pede que eu vá comprar pão na padaria da esquina, pra tomarmos café da manhã. com um beijo lhe respondo que sim e saio sem pressa.

ao sair do meu prédio, um susto. vi a mim mesmo passar na minha frente. meu antigo eu. decidi me seguir. o cenário era muito parecido...uma incrível sensação de déjà vu. o homem ia até a esquina comprar um cachorro-quente. caralho! eu vou morrer! o ônibus! saio correndo desesperado, sabendo do destino que me aguarda. a rua parece mais comprida, eu não consigo me alcançar. quando finalmente chego a esquina para me impedir, vejo que aquele homem não era eu. fico muito confuso. eu poderia jurar que era. continuo parado, com cara de trouxa, sem reação. até que retomo a consciência e o me foco em outra pessoa vindo. agora, sim, sou eu. foi quando ouvi um barulho de pneus freiando. meus deus! o ônibus! olho pro lado e o vejo vir em velocidade até mim. depois, era tudo escuro.