terça-feira, 11 de maio de 2010

o vendedor de lupas

por guilherme bernardes

enquanto as pessoas seguiam dando desculpas
ele continuava vendendo suas lupas
enquanto as pessoas seguiam perdendo suas lutas
ele continuava vendendo suas lupas
enquanto as pessoas seguiam pagando suas putas
ele continuava vendendo suas lupas
enquanto as pessoas seguiam se escondendo nas grutas
ele continuava vendendo suas lupas

mas por que tanta preocupação com um mero
vendedor de lupas
que até hoje nem sequer teve
seu primeiro cliente?

acho que porque,
diferentemente das outras pessoas,
que acham que enxergam perfeitamente,
eu tive coragem de admitir,
economizar,
parar em frente ao banco
e pedir:

"por favor, senhor,
gostaria de comprar uma lupa."

"pois não, meu jovem.
qual dessas você prefere?"

"a que for maior,
mais bonita,
melhor
e que me faça, finalmente,
ver tudo que existe ao meu redor.
de bom, de ruim, de feio ou maravilhoso.
o senhor tem uma dessas?"

"oh, meu jovem...
peço-te mil perdões,
mas não fabricam mais lupas como estas.
as pessoas pararam de comprá-las,
então desistiram de fazê-las.
mas podemos fazer um acordo.
fique com a minha e,
quando chegar a hora certa,
passe-a adiante."

agradeci o senhor e
fui pra casa, mas
nunca mais pude enxergar o mundo
do mesmo jeito
desde que conheci
o vendedor de lupas.

o funeral

por guilherme bernardes

ele sentia como se
o mundo todo
tivesse uma enorme dívida
com sua obra.

anos a fio ele escreveu,
pensou,
achou respostas que pareciam
impossíveis,
mas ninguém quis pagar pra ouvi-lo

ele sabia que estava certo.
seu niilismo era abatido,
pelo fanatismo
quase religioso,
com sua própria verdade
sem comprovação científica.
apenas a certeza
interior
que por muitas vezes ele julgou.
estúpida.

o sentimento de
superioridade, junto com
a exclusão,
lhe transformaram num monstro.
a arrogância era sua arma
e
sua palavra, o ponto fraco.
contraditório ao máximo,
como qualquer outro pensador,
ele vivia pra compartilhar com o mundo
o que ninguém quer.

"não estão prontos pra mim", ele pensava,
mas estavam.
apenas não lhes interessava a verdade.
ou o que restou dela.
a fantasia,
que ele não conseguia imaginar,
devido a escancarada e horrorosa verdade
na sua frente,
é o que ele deveria dizer.

o poeta morre jovem,
por mais velho que ele seja.
é um anarquista sentimental e entorpecido
que se recusa a deixar o mundo sem ser ouvido.