segunda-feira, 19 de setembro de 2011

o cão

por guilherme bernardes

puta que pariu!, eu pensei. já passavam de duas e meia da manhã e aquele cão infernal não parava de latir. eu me virei diversas vezes na cama, tentando achar um ângulo em que o barulho não chegasse aos meus ouvidos ou, pelo menos, viesse com menor intensidade. não teve jeito. eu estava condenado.

a pior parte é que o som do animal era fraco no começo, e pensei, logicamente, que logo cessaria. aconteceu justo o contrário. na medida que o tempo ia passando, os latidos ficavam ainda mais fortes e chegavam fácil ao meu quarto e ecoavam através dele e entravam na minha cabeça pra ecoar ainda mais. incomodavam mais que um mosquito insistente.

era impossível pegar num sono. me levantei e fui beber alguma coisa. eu tinha água. e eu tinha vodka. pensei em misturar, mas acabei decidindo beber a água. ou assim eu penso. talvez eu tenha tentado fazer um pequeno jogo com meu cérebro e tomar a vodka com a ideia fixa de que era água e ver se surtia o mesmo efeito. acho que ainda não saí do jogo realmente.

voltei pra cama e o cachorro tinha parado. agradeci ao vento, ou talvez ao próprio cão. só sei que estava realmente grato. tirei minha roupa e me deitei outra vez. fazia muito frio naquela noite, mas eu já estava tão habituado a dormir pelado que acho que nem conseguiria me sentir confortável com qualquer tipo de roupa na cama. foi como um plano maligno. no instante em que me apoiei no travesseiro, começou tudo outra vez. era o fim.

me pus de pé mais uma vez. eu quis realmente levantar e matar aquele desgraçado. me controlei quase indo buscar a pá. mas já que estava lá fora, fui dar uma volta. sempre tem um lugar aberto. se não tivesse, um tempo longe daquele bicho me faria bem de qualquer forma.

cheguei a ligar o carro, mas antes que engatasse a ré mudei de ideia. saí a pé. as ruas estavam desertas. eu não tinha medo. acho que quem me visse na rua teria mais medo. é bem fácil me tomar por algum bandido. um mendigo ou um bêbado. quem sabe até um mendigo bêbado. alguns minutos depois, vi o primeiro sinal de movimento. era uma luz vermelha no fim do quarteirão. fui ver o que era.

no caminho passei perto de uma janela e ouvir com clareza um casal adolescente fazendo sexo. ela dizia: "oh! calma, meu pai pode acordar...oh! continua assim!" e ele respondia "relaxa...não vou acordar seu velho..." e logo em seguida ouvi uma porta se escancarando e um grito de menina assustada. continuei andando ao invés de ficar pra ver que fim teve.

nas outras casas que passei no caminho não detectei nada de interessante. cheguei até a luz vermelha. um homem alto e forte fazia o papel de segurança. ele olhou bem pra mim e me deixou ir. o lugar era um puteiro dos mais imundos. havia uma garota de uns treze anos no balcão, usando só uma calcinha minúscula. outra num palco, totalmente nua, se masturbando pra dois carecas embriagados. algumas mais sentar com outros homens em cadeiras de plástico cheias de pó. decidi ir pro bar.

- você não é um pouco nova pra esse tipo de lugar? - indaguei para a menina do balcão.

- todo mundo diz isso. - ela respondeu - o que vai querer?

- uma dose do seu uísque mais vagabundo.

- só temos um tipo de uísque aqui, meu bem...

o modo como ela preparou meu drink era hipnotizante. era de uma naturalidade que encantava qualquer pessoa com um mínimo de senso sobre o que é arte. ela encheu o copo e me passou com uma piscadela. ainda atordoado de encantamento, peguei o copo e lhe passei uma nota. ela sorriu e foi atender outro freguês.

eu não sabia se apesar do horário o lugar estava cheio ou se era essa hora que os vagabundos vinham. poderia também ser uma noite de movimento fraco. eu nunca tinha estado ali. enquanto tomava minha bebida decidi olhar pra trás e encontrei um motivo pra voltar mais vezes. seu corpo era escultural. barriga lisinha, pernas bem torneadas, uma bunda boa e peitos de tamanho médio. bem como eu gosto. sua boca era grande, assim como os olhos. o nariz pequeno e levemente arrebitado dava o toque final em seu rosto coberto por um lindo cabelo escuro na altura dos ombros. mas seu maior charme, sem dúvida, estava na cicatriz que ela tinha na coxa esquerda. era tentador demais. ela estava lá sozinha. me aproximei.

- gostei de você. - eu disse, sem pudor.

- muita gente gosta. - ela retrucou de imediato - pelo menos no começo...

adoro quando uma mulher sabe responder rápido. é racional, é excitante. tive vontade de lhe dar um sorriso. mas não o fiz. e acho que ela esperava que eu o fizesse.

- me siga. - ela disse pegando minha mão e me levando porta a dentro para um corredor. chegando na última porta, ela abriu e me mandou entrar, me sentar e tomar um pouco da bebida dela se eu quisesse. tomei, mas fiquei de pé. ela começou a me encarar.

- o que o um tipo como você faz por aqui?

- que quer dizer? - respondi.

- você não é como os outros. você é diferente.

- eu acho que não.

- eu sei dizer quando vejo um tipo como você e quando é um como os outros que ficaram lá fora. mas a pergunta foi, o que você faz aqui?

- eu não estava conseguindo dormir.

- seu jeito me agrada. você fala pouco.

não respondi.

- por que não conseguia dormir? - ela insistiu.

- um cachorro idiota não parava de latir.

- entendo...

fiquei intrigado por ela dizer que sou um tipo diferente. é um adjetivo neutro demais. não posso ter certeza se é um elogio ou um xingamento. algo me dizia que era um elogio, mas ela tinha pouco articulação vocal. sua tonalidade de voz era sempre a mesma. se ela estivesse sendo sarcástica, eu nunca notaria. olhando pra ela, eu me sentia à vontade. o cachorro era a última coisa em minha mente. pensei que ela também não era comum.

- tu também não me parece do tipo das outras garotas daqui. - falei.

- o que te faz pensar assim? - questionou.

- me parece mais fria. não precisas ficar sorrindo pra seduzir homem algum. tudo que faz é ficar parada.

ela sorriu. uma sensação de vitória correu por todo o meu corpo. eu a fiz sorrir, não o contrário. então eu ganhei. eu fui o mais forte. ela estava, agora, nas minhas mãos.

- deita. - ela mandou. deitei.

caí em cima de seu corpo seminu e apalpei sua pele. era incrível que uma puta tivesse um corpo tão bem cuidado como o dela. até quando passei a mão por sua cicatriz notei que era perfeita. ela era rápida. eu apertava seu seio ao mesmo tempo em que ela abria meu cinto. quando vi, já estava sem calças. no momento seguinte, sua boca estava no meu pau. ela era uma profissional. mas eu podia sentir algo mais. era real. era intenso. ela me queria e estava tendo. isso é que era excitante pra ela.

arranquei-lhe a calcinha e fui tocá-la com o dedo. foi a buceta mais molhada que eu já havia tocado na vida. mexi em seu clitóris e a ouvi gemer. então comecei a usar as duas mãos. usava uma pra massageá-la e com a outra eu enfiava dois dedos dentro dela. ela pedia mais. eu dava. até que puxou minhas mãos, depois virou-me a cabeça, forçando-me a olhar fundo em seus olhos e proferiu um sedutor "me come, agora!"

era o que eu mais queria. botei ela de quatro , admirei um pouco a beleza daquela bunda e enfiei meu pau o mais fundo que eu podia. com força, com vontade. ela gritava. eu continuava quieto, mas achando ótimo. no meio do vai-e-vem, notei que ela tinha uma tatuagem atrás do pescoço. achei bonito. continuei metendo até que falei que ia gozar. na hora ela saiu da posição que estava e berrou:

- goza na minha boca!

ela agarrou meu pau com força e o pôs na boca mais uma vez. em segundos, sua boca era puro sêmen. tanto que lhe escorria pelos lábios a fora. ela estava adorando.

ela se levantou, disse que ia se limpar e já voltava. deitei na cama e fiquei esperando ela voltar. quando ela voltou, a surpresa:

- o que você ainda faz aqui?

- estava te esperando. - respondi.

- pra quê? apenas deixe seu dinheiro e vá embora.

eu realmente estava confuso. havíamos transado como amantes há poucos minutos, e agora eu era um qualquer.

- mas e o que aconteceu com eu ser diferente dos outros?

- você é, querido. e é ingênuo, também. gostei bastante. mas agora eu preciso trabalhar.

procurei algum dinheiro no bolso da calça. lhe dei tudo que eu tinha. ela agradeceu e disse "até a próxima..."

na passagem pelo balcão, a menininha falou:

- já vai garotão? fique mais um pouco.

a ignorei e segui andando. passei o mesmo segurança e segui meu caminho.

chegando em casa, me servi de outra dose de água e fui me deitar. e como que por mágica, ao terminar de cobrir meus ombros, aquele cachorro filho da puta voltou a latir. mas agora eu estava muito cansado e acabei dormindo mesmo assim.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

patrícia

por guilherme bernardes

estava tudo combinado pra ser normal. eu sabia do fim que ia ter, mas mesmo assim doeu. mesmo. foi parecido com aquela outra vez, em que, na hora, foi quase insuportável, mas depois estava tudo bem. chorei. me viram chorar. me senti mal, fraco. porém eu precisava disso. era libertador. fui pro bar com a intenção de encher a cara, de esquecer, me divertir e livrar a cabeça de qualquer preocupação.

as cervejas vão vindo, os desabafos vão surgindo. plínio me ouvia. me entendia e dividia comigo também. grande cara. fomos juntos na área de fumantes do bar e vieram falar conosco:

- vocês fazem cinema na fap? - uma garota bonita.

- não. eu faço história. - respondi.

- eu, faço. - disse plínio.

o papo continuou, a garota bonita era gaúcha, fazia dança e trouxe com ela uma amiga pernambucana. era estranho ser a única pessoa de curitiba naquela coversa. conversas não muito sérias. fazia certo frio e nos convidaram pra entrar e pra que nos juntássemos a mesa. quando os shows começaram fomos assistir.

fui ao banheiro e havia uma fila. uma garota. me sentei ao seu lado e tentei coversar. outras amigas dela foram chegando querendo também usar o banheiro e cedia-lhes a vez para continuar lá conversando. plínio comentou:

- cheio de mina falando com a gente...

- pois é, cara...

fiquei lá fora novamente durante a maior parte da segunda banda. e lá conversei com ela pela primeira vez. era pequena, de cabelos pretos e curtos. um ar meio cult, acho que ressaltado pelos óculos grandes. combinavam bem com seu rosto. os assuntos me são incertos, mas em tal momento quis lhe dar um beijo. tentei e não consegui. ela se desviou e tentei disfarçar dizendo qualquer coisa ao seu ouvido. continuamos na conversa e quando a terceira banda foi começar, locomotiva espectral, ela me pegou pela mão e me levou à frente do palco.

sabíamos os dois as letras de cor e cantamos juntos. até que tentei lhe beijar de novo e dessa vez consegui. foi bom. estávamos consideravelmente alcoolizados, os dois, e entre um verso e outro nos beijávamos. até que me bateu uma dúvida. qual era o nome dela, mesmo?

não seria idiota de perguntar. continuei agindo normalmente. até que o show terminasse. e então fomos novamente para a área de fumantes. fiz o plínio perguntar pra mim, pra não ficar feio. era patrícia. mas depois tomei conta de que talvez ela não soubesse o meu nome.

- você sabe o meu nome?

- ...não... - respondeu.

- hahaha! pois é...

- começa com eme, né?

- sim, começa com eme. - menti com um sorriso.

- ah...matheus? maurício? marco?

- hahaha! tá bom. não começa com eme. é com gê.

- ah! fica me zuando. é gustavo?

- não, é gê de giovanni - chega o plínio rindo e acabando com minha brincadeira de adivinhação.

propus que fôssemos embora pra casa do plínio. ele tinha cigarros com ele e mais cerveja em sua casa. a distância é de uns dois kilômetros feitos às cinco da manhã. o bairro é bem tranquilo e chegamos a salvo depois de uma meia hora caminhando. patrícia veio falando ao celular boa parte do caminho com um amigo. ela estava praticamente berrando. me incomodou um pouco.

subimos no apartamento do plínio e ofereci uma cerveja para patrícia. ela pediu apenas um copo d'água e depois foi ao banheiro. aproveitei o momento de privacidade para pedir ao plínio que dormisse na sala para eu dormir na cama dele com ela. ele concordou. grande cara. perguntei se ele tinha preservativos e ele me mostrou aonde ele os guardava. quando ela saiu do banheiro, fui escovar os dentes, dei boa noite ao plínio e tranquei a porta conosco lá dentro, enquanto as frestas da janela começavam a mostrar os primeiros raios de sol de um sábado que acabou sendo escaldante.

ela pediu que primeiro apenas me deitasse ao seu lado. queria conversar.me beijou com volúpia e começamos a trocar carícias. quando começamos a transar, me chamou a atenção que ela pedia para pararmos depois de certo tempo. perguntei porque, ela disse que era para que sentíssemos falta.

- com quantas pessoas você já fez sexo? - ela perguntou numa dessas pausas.

- duas. você e minha ex.

- quase um virgem, então. - disse com certa surpresa.

- acho que não, porque a namorei por dois anos e meio. e você, com quantas?

- não contei.

passamos boa parte do começo da manhã conversando. nos conhecendo melhor. dividi muito com ela. acho que me mostrei vulnerável. quem sabe egocêntrico. mas ouvi bastante, também. estava à vontade com sua cabeça apoiada em meu peito e suas pernas entrelaçadas as minhas. mas sempre que o silêncio se estendia por algum tempo extra, nos tocávamos outra vez. acho que fomos dormir passado das sete e meia.

ela achou que era mais velho do que realmente sou. disse que deveria ser por causa da barba. ela era três anos mais velha que eu. quando acordei eram dez horas. precisava pegar um ônibus à uma e meia na rodoviária. tentei acordá-la delicadamente com beijos. mas acabamos nos esfregando por debaixo das cobertas. gostei do modo como ela falou que eu poderia ficar o dia inteiro dando leves mordidas em suas costas.

- precisava de um banho. - ela comentou.

- eu também. meu cabelo só se arruma com água. vou perguntar pro plínio aonde tem uma toalha.

ele tinha perdido a aula porque dormiu demais. me senti mal. ele queria ir. ele não queria nem ir no bar e foi por minha causa. grande cara. peguei a toalha e entramos eu e a pati no banheiro. quando o plínio bateu na porta, achamos que ele estava nos apressando. depois de desligar o chuveiro o ouvimos falar que tinha uma outra toalha pra nos oferecer. tínhamos pego apenas uma para dividirmos.

nos secamos, pusemos nossas roupas, agradecemos ao plínio imensamente e fomos pegar nossos ônibus. cada um iria para um lado. comprei uma água com gás, ela uma coca. eu estava de ressaca. sempre fico. meu ônibus chegou primeiro. pedi que ela me ligasse quando quisesse e ela disse que o mesmo valia para mim. embarquei rumo ao centro para almoçar.