segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

o espectador

por guilherme bernardes

eu esperava por tragédias. ansiava por poder ver aquele momento em que a vida fica pendurada por um fio. a cada estrondo diferente imaginava uma explosão, um tiro, uma batida de trânsito, qualquer coisa. alguém, nesse instante, tinha que estar prestes a morrer.

parei então de cuidar da minha própria vida. comecei a ficar atento a qualquer movimento alheio. torcia para que o pedestre tropeçasse ao atravessar a rua correndo enquanto os carros vinham em alta velocidade e, alí caído, fosse impossível de desviar. assim eu veria o choque e os miólos se espalhando.

passava em frente aos bares a fim de encontrar os bêbados nervosos em busca de confusão. por sorte, um dia consegui ver um deles ser atingido por uma garrafa bem na cabeça. admirei o vidro se estilhaçando e abrindo um corte profundo. o homem desmaiou quase que instantaneamente ao golpe. seu amigo, logo ao lado, tinha consigo uma faca, a sacou e, sem exitar, enfiou-a na barriga do outro. nisso, alguém vem de fora com uma arma e atira na cabeça do esfaqueador. pra mim isso não era assustador. era um deleite.

o sentido da minha vida só existia quando a vida dos outros, teoricamente tão frágeis quanto a minha, estava em perigo. havia beleza no olhar dos moribundos. havia beleza naquele duelo entre a vida e a morte que ocorria bem em minha frente. eu era sempre um espectador agradecido pelo espetáculo.

um dia, de tão distraído esperando um desastre, não vi o biarticulado que vinha correndo e me acertou em cheio, me matando quase que na hora. a última imagem que levei daqui foi um sorriso de satisfação no rosto de um desconhecido no exato momento em que fui atropelado.

domingo, 18 de dezembro de 2011

o susto

por guilherme bernardes

acordou assustado.
olhou pro lado
e
não viu ninguém.
levantou com pressa
e foi procurá-la.

não atendeu.

se entristeceu
e voltou
para seu quarto

quando vê
no chão um bilhete.

uma despedida simples
a qual ele lamenta não poder
ter visto, só
lido, e deita.

ela liga.

conversam e fica tudo
bem. ela esteve ali
o máximo que pode.
tomou conta dele.

felicidade é tê-la.
existência significante
encontra seu sentido na
variável de poder
chamá-la sua.

sábado, 19 de novembro de 2011

a cara

por guilherme bernardes

ele tinha cara de joão.
só que ele
não chamava joão.

era estrangeiro.

tinha um
nome esquisito,
difícil de
pronunciar.

talvez quando nasceu tivesse
cara de alguém com o
nome que
lhe deram,

mas hoje ele tem outra cara,
outra vida.

só falta um outro nome.

sábado, 12 de novembro de 2011

o telefone toca:

por guilherme bernardes

não tô bem. o que rolou? não sei... alguma coisa. me conta, quem sabe eu te ajudo. acho que ninguém pode me ajudar de verdade. e eu acho que você não devia dizer isso, a gente pode achar coisas bem diferentes, viu? vi...mas é que não é assim tão simples, sabe... ainda mais por em palavras, que nunca foram meu forte. eu sei, bom mesmo seria estar vendo seus olhos, eles nunca mentiram pra mim, e eu sempre achei isso ótimo, foi isso que segurou a gente por tanto tempo. quem sabe se eu aparecesse aí, tomasse alguma coisa, você veria meus olhos, eu até tentaria falar mesmo assim, mas pode poupar trabalho de nós dois, e ainda dava pra me animar. hoje não dá, vai ter que ser por telefone, mesmo. como assim? desculpa, mas agora não tem como você pintar aqui. tem gente aí, né... deve ter alguma pessoa deitada na nossa cama, dormindo enquanto você atende o telefone na sacada... eu sei, tô sentindo. não entra nessa, por favor... a gente tá tão bem assim, vamos manter tudo numa boa, como a gente tinha combinado... é melhor pros dois. eu discordo... é melhor pra você que tá bem... eu tô numa pior e tô querendo é chutar o balde... mandar tudo pra puta que o pariu, ser extremista, oito ou oitenta, tudo ou nada... é isso que eu quero de ti agora: amor ou ódio. não dá pra ser tão simples assim... a vida não é feita de duas escolhas o tempo todo... vamos nos encontrar amanhã, a gente conversa isso melhor, com mais calma, olhando nos olhos, acho que a gente tá até precisando pra pararmos com essas dependências que a gente criou... tá na hora do desapego, é triste, mas essa hora chega. considerei esse discursinho todo como uma grande enrolação pra dizer que escolheu ódio. não foi isso que eu disse, porra...não distorce minhas palavras! ih, olha só, tá se exaltando... quer mais prova que isso... tudo bem... quem sabe isso me ajuda a concretizar teu tão sonhado desapego. olha, escuta bem... eu não preciso disso, não mais... a gente terminou justamente porque nenhum dos dois tava mais aguentando isso. mentira! verdade, e você sabe... você quis terminar muitas vezes antes de mim, chegou a fazer... e agora vem com isso? tem razão... a gente se esgotou. é o que tô tentando dizer. sabe... eu não tava mal de verdade... eu só tava com vontade de discutir, lembrar dessa época, porque sabia que no fim a gente ia acabar calmos de volta e eu ia dormir sem preocupações. haha... entendo... pior que eu também gostei... vou deitar deitar de cabeça leve. boa noite pra ti, te cuida. tu também... se precisar de alguma coisa liga. pode deixar, beijo. beijo.

domingo, 30 de outubro de 2011

o dia do junkie

por guilherme bernardes

fazia já uma ou duas semanas que eu tinha dispensado a samanta. tive que ouvir alguns sermões de amigos de como eu tinha sido um babaca e tudo mais. outros não se importavam e riam comigo da situação toda. eu soube por outras pessoas que ela estava sofrendo, mas eu não poderia fazer nada. certeza que ela sofreu bem menos tendo sido largada antes do que ela queria. a gente tentou continuar amigos, pra não separar a galera. já era verão, saíamos pra encher a cara quase todos os dias.

saí da psicóloga que minha mãe me fazia ir porque eu estava bebendo, andei uns seis quilômetros pra chegar na meia praia e encontrar os amigos e fomos logo comprar as bebidas. acabou sendo uma big apple. a gente tava apaixonado por esse troço. depois que acabou pegamos uma joinville de maracujá. era o que a gente mais tinha bebido naquele ano que passara. era no mínimo uma por ensaio todo domingo. eu e o magrão fomos os únicos que bebemos de verdade. ficamos muito loucos. o ricardo e o leonardo deram só uns goles. a gabi tava lá com a samanta que também deu uns goles. mas pra ela já foi o suficiente pra ficar bem fora de si.

a gente se achava o máximo por beber tanto mas ainda aguentar e ficou rindo de como ela era fraca. sei lá se ela tentou beber porque estava sofrendo. é capaz. ela não se aguentava em pé. tava feia, a coisa. eu tentei ajudá-la, mas ao sentir minha mão encostando nela não exitou e me deu um tapa na cara.

foi um belo tapa. todo mundo se espantou. mas ela deve ter sentido aquela força ressentida, aquele ódio, talvez, bem direcionado. com certeza aquilo foi necessário pra ela. pode ter se arrependido depois, mas na hora, a vingança contra o filho da puta que a fez sofrer era mais importante. convenhamos: eu merecia. hoje sei disso. mas logo após aquele tapa, não reagi bem.

eu fiquei muito puto. não tava acreditando na audácia daquela menina. não me passou pela cabeça revidar, mas eu não tava achando aquilo certo. o magrão me levou pra longe, ela continuava a chorar e a me mandar embora. a gente tava numa viela que dava pra praia. conversei com o magrão quando já estávamos afastados.

- puta que pariu, cara! nunca tento ajudar ninguém, aí quando tento a mina me faz uma coisa dessas?! ah, vai se fuder!

o magrão realmente não me ajudou tanto nesse dia. ele até me deixou mais puto. hoje acho engraçado. na hora não foi.

- giovanni, a culpa é toda sua. - ele tava tão torto quanto eu, nem sei se sabia o que tava rolando na real. - você não tinha nada que tentar ajudar ela.

foi uma das vezes que eu mais bebi e uma das poucas que fiquei violento. o leronardo apareceu enquanto eu tava vomitando no lugar que eu tava com o magrão e começou a rir. não cutuque onça com vara curta, porra!

- tá rindo do que, seu merda?! cala a boca ou eu vou aí e quebro tua cara! - acho que ele continuou rindo, não lembro. foi inconveniente. rir depois, quando se está contando a história é uma coisa, mas rir enquanto o cara tá lá, limpando vômito com a mão, puto da cara, querendo descontar em alguma coisa, não, né?

acho que foi o magrão que fez ele sair dali. eu tinha comprado meus óculos tinham recém feito dois meses. pra mim tava tudo igual com ou sem. era embaçado, dobrado, turvo. tirei pra gorfar e pus em algum lugar ali perto. não lembrei de pegar.

volta e meia eu levantava e olhava como tava a situação lá na praia. a gabi ainda consolava a samanta e o leonardo e o ricardo conversavam. provavelmente como tudo isso tava sendo ridículo. meu pai me ligou dizendo que ia me buscar. eu ia dizer o quê? eu tinha quinze anos ainda. falei onde tava e tentei me recompor até que ele aparecesse. não funcionou. entrei no carro tão embriagado quanto estava na rua. ele ficou puto. falou alguma coisa sobre me por de castigo e eu falei pra ele que isso não serve pra nada, é só uma coisa que os pais fazem pra aumentar o próprio ego e achar que estão educando seus filhos. ah, ele não gostou nada de ouvir isso, também.

ele tava com a namorada em algum lugar, só os dois. e de certo queriam voltar pra lá. ele me deixou na casa da sogra dele, que não era muito longe dali. minhas irmãs de criação estavam lá. a mais velha tava achando uma estupidez só. a mais nova tava achando ou engraçado ou muito legal essa minha "rebeldia". fiquei lá um tempo morgando no sofá, comendo um sanduíche de atum e dando uma volta de um lado pro outro no quintal da frente. até que tive a ideia de simplesmente me mandar e beber mais um pouco.

o portão estava, obviamente, trancado. eu ainda tinha dificuldades de me manter em pé, mas decidi arriscar: fui pular o portão. tinham uns apoios na parede, não foi assim tão difícil. engraçado foi ninguém ter notado. comecei a andar pela rua e a ligar pros meus amigos e pedir pra me encontrarem. começou a chover, também. no verão sempre chove depois que escurece.

- ricardo! me encontra em algum lugar, cara! quero beber todas! eu sempre fui um filho muito bonzinho, nunca fiz nada de errado. chega dessa merda! quero ser um problema. e quero que eles se acostumem que é isso que eu sou. porque sabe, né? se você sempre faz tudo certo, quando faz qualquer merdinha, a menor que seja, já vira um escândalo. então o negócio é fazer sempre, que daí só dizem "ah, ele é assim mesmo..."

sei lá o que ele me disse. deve ter dito pra eu ir pra casa. é a cara dele falar isso. liguei pro magrão. a chuva foi aumentando. a sensação era aquela mesmo, de estar quebrando as regras por simplesmente estar mostrando quem eu realmente era: o desgraçado que pregava a total falta de sentimentos e que só ligava pra si mesmo que minha família não tinha ideia que eu era.

o magrão acabou me achando com a roupa encharcada um tempo depois, com o resto do vinho na mochila dele e nossos cigarros. a essa altura já tinham dado conta da minha ausência e avisado meu pai que não parava de me ligar pra perguntar onde eu estava. eu só ignorava. talvez eu tenha percebido a besteira e por isso atendido. não falei direito, quem falou foi o magrão. ele que contou onde a gente tava. meu pai chegou e tentou falar comigo e eu não dei muita bola. foi perguntar pro magrão o que tinha acontecido. enquanto eu via eles conversando, abri a mochila dele, peguei mais um cigarro e acendi. ele viu e veio correndo tirá-lo da minha mão.

meu pai acabou me convencendo a ir pra casa. no caminho, aquele clima pesado. eu achando que estava certo, que eu devia mesmo era tocar o foda-se, e meu pai provavelmente se perguntando o que ele fez de errado pra eu estar assim. a culpa não é dele. acho que hoje ele sabe. eu queria uma independência que eu não poderia ter. eu não trabalhava, não me virava sozinho. o dinheiro do meu trago vinha todo do bolso dele. mas você não enxerga isso nessa idade.

contei pra ele toda a história de não ter sentimentos, de como eu só conseguia me sentir vivo se eu estivesse bêbado ou fumando um cigarro. ele se espantou. logo estavam os dois chorando. eu por perceber a cagada toda que era aquilo e ele por ouvir o próprio filho dizendo isso. o pior era que eu não queria ceder. continuava a filosofar coisas de total desapego.

- deixa isso pra lá, zé. daqui a uns anos, quando eu estiver todo fodido por causa disso, tu vai poder olhar pra mim e dizer "eu te avisei" e o gosto de estar certo vai ser muito bom.

mostrei um música que escrevi que dizia ser sobre os meus pais. ele ficou chocado. tentei dizer que não era assim tão ruim quanto parecia, mas era. eu achava que era, pelo menos. os dois estavam cansados e foram dormir. não sei que horas eram, não sei por quanto tempo. mas a manhã seguinte foi chega de ressaca física e moral. me dar conta que perdi os óculos também foi chato. a gente tentou conversar melhor, comigo sóbrio, dessa vez, mas ficou uma coisa meio só ele falando e eu concordando. eu tinha noção do erro. mas dizia pra mim mesmo que erros a gente sempre faz e não tem porque se achar tão um bosta por isso.

fiquei de castigo, de fato. sendo aquilo pra satisfazer algum ego ou não. demorei pra recuperar a confiança do meu pai. mas o mais engraçado foi eu ter conhecido a pessoa responsável por em fazer desistir da ideia de não ter sentimentos e de ser um problema exatamente no dia seguinte a esse episódio todo. uma lição bem evidente disso é: se você levar um tapa, primeiro pare e pense se você não o mereceu. depois pense no que fazer quanto a isso.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

o cão

por guilherme bernardes

puta que pariu!, eu pensei. já passavam de duas e meia da manhã e aquele cão infernal não parava de latir. eu me virei diversas vezes na cama, tentando achar um ângulo em que o barulho não chegasse aos meus ouvidos ou, pelo menos, viesse com menor intensidade. não teve jeito. eu estava condenado.

a pior parte é que o som do animal era fraco no começo, e pensei, logicamente, que logo cessaria. aconteceu justo o contrário. na medida que o tempo ia passando, os latidos ficavam ainda mais fortes e chegavam fácil ao meu quarto e ecoavam através dele e entravam na minha cabeça pra ecoar ainda mais. incomodavam mais que um mosquito insistente.

era impossível pegar num sono. me levantei e fui beber alguma coisa. eu tinha água. e eu tinha vodka. pensei em misturar, mas acabei decidindo beber a água. ou assim eu penso. talvez eu tenha tentado fazer um pequeno jogo com meu cérebro e tomar a vodka com a ideia fixa de que era água e ver se surtia o mesmo efeito. acho que ainda não saí do jogo realmente.

voltei pra cama e o cachorro tinha parado. agradeci ao vento, ou talvez ao próprio cão. só sei que estava realmente grato. tirei minha roupa e me deitei outra vez. fazia muito frio naquela noite, mas eu já estava tão habituado a dormir pelado que acho que nem conseguiria me sentir confortável com qualquer tipo de roupa na cama. foi como um plano maligno. no instante em que me apoiei no travesseiro, começou tudo outra vez. era o fim.

me pus de pé mais uma vez. eu quis realmente levantar e matar aquele desgraçado. me controlei quase indo buscar a pá. mas já que estava lá fora, fui dar uma volta. sempre tem um lugar aberto. se não tivesse, um tempo longe daquele bicho me faria bem de qualquer forma.

cheguei a ligar o carro, mas antes que engatasse a ré mudei de ideia. saí a pé. as ruas estavam desertas. eu não tinha medo. acho que quem me visse na rua teria mais medo. é bem fácil me tomar por algum bandido. um mendigo ou um bêbado. quem sabe até um mendigo bêbado. alguns minutos depois, vi o primeiro sinal de movimento. era uma luz vermelha no fim do quarteirão. fui ver o que era.

no caminho passei perto de uma janela e ouvir com clareza um casal adolescente fazendo sexo. ela dizia: "oh! calma, meu pai pode acordar...oh! continua assim!" e ele respondia "relaxa...não vou acordar seu velho..." e logo em seguida ouvi uma porta se escancarando e um grito de menina assustada. continuei andando ao invés de ficar pra ver que fim teve.

nas outras casas que passei no caminho não detectei nada de interessante. cheguei até a luz vermelha. um homem alto e forte fazia o papel de segurança. ele olhou bem pra mim e me deixou ir. o lugar era um puteiro dos mais imundos. havia uma garota de uns treze anos no balcão, usando só uma calcinha minúscula. outra num palco, totalmente nua, se masturbando pra dois carecas embriagados. algumas mais sentar com outros homens em cadeiras de plástico cheias de pó. decidi ir pro bar.

- você não é um pouco nova pra esse tipo de lugar? - indaguei para a menina do balcão.

- todo mundo diz isso. - ela respondeu - o que vai querer?

- uma dose do seu uísque mais vagabundo.

- só temos um tipo de uísque aqui, meu bem...

o modo como ela preparou meu drink era hipnotizante. era de uma naturalidade que encantava qualquer pessoa com um mínimo de senso sobre o que é arte. ela encheu o copo e me passou com uma piscadela. ainda atordoado de encantamento, peguei o copo e lhe passei uma nota. ela sorriu e foi atender outro freguês.

eu não sabia se apesar do horário o lugar estava cheio ou se era essa hora que os vagabundos vinham. poderia também ser uma noite de movimento fraco. eu nunca tinha estado ali. enquanto tomava minha bebida decidi olhar pra trás e encontrei um motivo pra voltar mais vezes. seu corpo era escultural. barriga lisinha, pernas bem torneadas, uma bunda boa e peitos de tamanho médio. bem como eu gosto. sua boca era grande, assim como os olhos. o nariz pequeno e levemente arrebitado dava o toque final em seu rosto coberto por um lindo cabelo escuro na altura dos ombros. mas seu maior charme, sem dúvida, estava na cicatriz que ela tinha na coxa esquerda. era tentador demais. ela estava lá sozinha. me aproximei.

- gostei de você. - eu disse, sem pudor.

- muita gente gosta. - ela retrucou de imediato - pelo menos no começo...

adoro quando uma mulher sabe responder rápido. é racional, é excitante. tive vontade de lhe dar um sorriso. mas não o fiz. e acho que ela esperava que eu o fizesse.

- me siga. - ela disse pegando minha mão e me levando porta a dentro para um corredor. chegando na última porta, ela abriu e me mandou entrar, me sentar e tomar um pouco da bebida dela se eu quisesse. tomei, mas fiquei de pé. ela começou a me encarar.

- o que o um tipo como você faz por aqui?

- que quer dizer? - respondi.

- você não é como os outros. você é diferente.

- eu acho que não.

- eu sei dizer quando vejo um tipo como você e quando é um como os outros que ficaram lá fora. mas a pergunta foi, o que você faz aqui?

- eu não estava conseguindo dormir.

- seu jeito me agrada. você fala pouco.

não respondi.

- por que não conseguia dormir? - ela insistiu.

- um cachorro idiota não parava de latir.

- entendo...

fiquei intrigado por ela dizer que sou um tipo diferente. é um adjetivo neutro demais. não posso ter certeza se é um elogio ou um xingamento. algo me dizia que era um elogio, mas ela tinha pouco articulação vocal. sua tonalidade de voz era sempre a mesma. se ela estivesse sendo sarcástica, eu nunca notaria. olhando pra ela, eu me sentia à vontade. o cachorro era a última coisa em minha mente. pensei que ela também não era comum.

- tu também não me parece do tipo das outras garotas daqui. - falei.

- o que te faz pensar assim? - questionou.

- me parece mais fria. não precisas ficar sorrindo pra seduzir homem algum. tudo que faz é ficar parada.

ela sorriu. uma sensação de vitória correu por todo o meu corpo. eu a fiz sorrir, não o contrário. então eu ganhei. eu fui o mais forte. ela estava, agora, nas minhas mãos.

- deita. - ela mandou. deitei.

caí em cima de seu corpo seminu e apalpei sua pele. era incrível que uma puta tivesse um corpo tão bem cuidado como o dela. até quando passei a mão por sua cicatriz notei que era perfeita. ela era rápida. eu apertava seu seio ao mesmo tempo em que ela abria meu cinto. quando vi, já estava sem calças. no momento seguinte, sua boca estava no meu pau. ela era uma profissional. mas eu podia sentir algo mais. era real. era intenso. ela me queria e estava tendo. isso é que era excitante pra ela.

arranquei-lhe a calcinha e fui tocá-la com o dedo. foi a buceta mais molhada que eu já havia tocado na vida. mexi em seu clitóris e a ouvi gemer. então comecei a usar as duas mãos. usava uma pra massageá-la e com a outra eu enfiava dois dedos dentro dela. ela pedia mais. eu dava. até que puxou minhas mãos, depois virou-me a cabeça, forçando-me a olhar fundo em seus olhos e proferiu um sedutor "me come, agora!"

era o que eu mais queria. botei ela de quatro , admirei um pouco a beleza daquela bunda e enfiei meu pau o mais fundo que eu podia. com força, com vontade. ela gritava. eu continuava quieto, mas achando ótimo. no meio do vai-e-vem, notei que ela tinha uma tatuagem atrás do pescoço. achei bonito. continuei metendo até que falei que ia gozar. na hora ela saiu da posição que estava e berrou:

- goza na minha boca!

ela agarrou meu pau com força e o pôs na boca mais uma vez. em segundos, sua boca era puro sêmen. tanto que lhe escorria pelos lábios a fora. ela estava adorando.

ela se levantou, disse que ia se limpar e já voltava. deitei na cama e fiquei esperando ela voltar. quando ela voltou, a surpresa:

- o que você ainda faz aqui?

- estava te esperando. - respondi.

- pra quê? apenas deixe seu dinheiro e vá embora.

eu realmente estava confuso. havíamos transado como amantes há poucos minutos, e agora eu era um qualquer.

- mas e o que aconteceu com eu ser diferente dos outros?

- você é, querido. e é ingênuo, também. gostei bastante. mas agora eu preciso trabalhar.

procurei algum dinheiro no bolso da calça. lhe dei tudo que eu tinha. ela agradeceu e disse "até a próxima..."

na passagem pelo balcão, a menininha falou:

- já vai garotão? fique mais um pouco.

a ignorei e segui andando. passei o mesmo segurança e segui meu caminho.

chegando em casa, me servi de outra dose de água e fui me deitar. e como que por mágica, ao terminar de cobrir meus ombros, aquele cachorro filho da puta voltou a latir. mas agora eu estava muito cansado e acabei dormindo mesmo assim.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

patrícia

por guilherme bernardes

estava tudo combinado pra ser normal. eu sabia do fim que ia ter, mas mesmo assim doeu. mesmo. foi parecido com aquela outra vez, em que, na hora, foi quase insuportável, mas depois estava tudo bem. chorei. me viram chorar. me senti mal, fraco. porém eu precisava disso. era libertador. fui pro bar com a intenção de encher a cara, de esquecer, me divertir e livrar a cabeça de qualquer preocupação.

as cervejas vão vindo, os desabafos vão surgindo. plínio me ouvia. me entendia e dividia comigo também. grande cara. fomos juntos na área de fumantes do bar e vieram falar conosco:

- vocês fazem cinema na fap? - uma garota bonita.

- não. eu faço história. - respondi.

- eu, faço. - disse plínio.

o papo continuou, a garota bonita era gaúcha, fazia dança e trouxe com ela uma amiga pernambucana. era estranho ser a única pessoa de curitiba naquela coversa. conversas não muito sérias. fazia certo frio e nos convidaram pra entrar e pra que nos juntássemos a mesa. quando os shows começaram fomos assistir.

fui ao banheiro e havia uma fila. uma garota. me sentei ao seu lado e tentei coversar. outras amigas dela foram chegando querendo também usar o banheiro e cedia-lhes a vez para continuar lá conversando. plínio comentou:

- cheio de mina falando com a gente...

- pois é, cara...

fiquei lá fora novamente durante a maior parte da segunda banda. e lá conversei com ela pela primeira vez. era pequena, de cabelos pretos e curtos. um ar meio cult, acho que ressaltado pelos óculos grandes. combinavam bem com seu rosto. os assuntos me são incertos, mas em tal momento quis lhe dar um beijo. tentei e não consegui. ela se desviou e tentei disfarçar dizendo qualquer coisa ao seu ouvido. continuamos na conversa e quando a terceira banda foi começar, locomotiva espectral, ela me pegou pela mão e me levou à frente do palco.

sabíamos os dois as letras de cor e cantamos juntos. até que tentei lhe beijar de novo e dessa vez consegui. foi bom. estávamos consideravelmente alcoolizados, os dois, e entre um verso e outro nos beijávamos. até que me bateu uma dúvida. qual era o nome dela, mesmo?

não seria idiota de perguntar. continuei agindo normalmente. até que o show terminasse. e então fomos novamente para a área de fumantes. fiz o plínio perguntar pra mim, pra não ficar feio. era patrícia. mas depois tomei conta de que talvez ela não soubesse o meu nome.

- você sabe o meu nome?

- ...não... - respondeu.

- hahaha! pois é...

- começa com eme, né?

- sim, começa com eme. - menti com um sorriso.

- ah...matheus? maurício? marco?

- hahaha! tá bom. não começa com eme. é com gê.

- ah! fica me zuando. é gustavo?

- não, é gê de giovanni - chega o plínio rindo e acabando com minha brincadeira de adivinhação.

propus que fôssemos embora pra casa do plínio. ele tinha cigarros com ele e mais cerveja em sua casa. a distância é de uns dois kilômetros feitos às cinco da manhã. o bairro é bem tranquilo e chegamos a salvo depois de uma meia hora caminhando. patrícia veio falando ao celular boa parte do caminho com um amigo. ela estava praticamente berrando. me incomodou um pouco.

subimos no apartamento do plínio e ofereci uma cerveja para patrícia. ela pediu apenas um copo d'água e depois foi ao banheiro. aproveitei o momento de privacidade para pedir ao plínio que dormisse na sala para eu dormir na cama dele com ela. ele concordou. grande cara. perguntei se ele tinha preservativos e ele me mostrou aonde ele os guardava. quando ela saiu do banheiro, fui escovar os dentes, dei boa noite ao plínio e tranquei a porta conosco lá dentro, enquanto as frestas da janela começavam a mostrar os primeiros raios de sol de um sábado que acabou sendo escaldante.

ela pediu que primeiro apenas me deitasse ao seu lado. queria conversar.me beijou com volúpia e começamos a trocar carícias. quando começamos a transar, me chamou a atenção que ela pedia para pararmos depois de certo tempo. perguntei porque, ela disse que era para que sentíssemos falta.

- com quantas pessoas você já fez sexo? - ela perguntou numa dessas pausas.

- duas. você e minha ex.

- quase um virgem, então. - disse com certa surpresa.

- acho que não, porque a namorei por dois anos e meio. e você, com quantas?

- não contei.

passamos boa parte do começo da manhã conversando. nos conhecendo melhor. dividi muito com ela. acho que me mostrei vulnerável. quem sabe egocêntrico. mas ouvi bastante, também. estava à vontade com sua cabeça apoiada em meu peito e suas pernas entrelaçadas as minhas. mas sempre que o silêncio se estendia por algum tempo extra, nos tocávamos outra vez. acho que fomos dormir passado das sete e meia.

ela achou que era mais velho do que realmente sou. disse que deveria ser por causa da barba. ela era três anos mais velha que eu. quando acordei eram dez horas. precisava pegar um ônibus à uma e meia na rodoviária. tentei acordá-la delicadamente com beijos. mas acabamos nos esfregando por debaixo das cobertas. gostei do modo como ela falou que eu poderia ficar o dia inteiro dando leves mordidas em suas costas.

- precisava de um banho. - ela comentou.

- eu também. meu cabelo só se arruma com água. vou perguntar pro plínio aonde tem uma toalha.

ele tinha perdido a aula porque dormiu demais. me senti mal. ele queria ir. ele não queria nem ir no bar e foi por minha causa. grande cara. peguei a toalha e entramos eu e a pati no banheiro. quando o plínio bateu na porta, achamos que ele estava nos apressando. depois de desligar o chuveiro o ouvimos falar que tinha uma outra toalha pra nos oferecer. tínhamos pego apenas uma para dividirmos.

nos secamos, pusemos nossas roupas, agradecemos ao plínio imensamente e fomos pegar nossos ônibus. cada um iria para um lado. comprei uma água com gás, ela uma coca. eu estava de ressaca. sempre fico. meu ônibus chegou primeiro. pedi que ela me ligasse quando quisesse e ela disse que o mesmo valia para mim. embarquei rumo ao centro para almoçar.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

os pedidos

por guilherme bernardes

já fui pedido em namoro três vezes pela mesma garota. a primeira vez foi normal. era dia das mães e já estávamos ficando há três meses. foi a hora certa. e seguiram-se nove meses bem proveitosos. então ela começou uma faculdade nova. ela conheceu gente diferente. no verão eu havia me declarado, me aberto, me entregado àquele relacionamento. disse que a amava. pelo jeito isso ficou chato. ela parou de dizer isso pra mim. parou de me ligar com tanta frequência. e numa sexta-feira ela me ligou dizendo que não estava funcionando mais e deveríamos terminar.

no sábado ela liga pra saber como eu estou. estava bem. mesmo. me surpreendi como me recuperei logo. acho que ela não achou muito normal. mas achou bom. queríamos continuar amigos. no domingo ela me liga. chorando.

- eu não sei mais o que eu quero da minha vida!

- o que foi? calma, me diga devagar.

- ah, eu não sei! tô confusa!

- você quer voltar?

- acho que não.

- então?

- não sei.

- você quer voltar a ter um relacionamento aberto, isso?

- ah, seria bom.

- ok. você que sabe.

desliguei e me senti bem. me senti desejado, parte da vida de alguém que tinha importância. depois de uma semana de um novo relacionamento aberto fui visitá-la em curitiba. quando fui pra casa dela transamos como se ainda fôssemos namorados. nos meus braços e com emoção nos olhos ela me pediu em namoro pela segunda vez.

agora estávamos mais ligados. dessa vez passaram-se treze meses. faltava pouco pra completarmos dois anos de namoro ao todo. criamos dúvidas comuns se deveríamos continuar namorando. aparentemente, não evoluiríamos como um casal mais do que isso. as brigas não eram frequentes e nem muito sérias. a questão era mesmo mais filosófica. vale a pena ficar num relacionamento que não tem como ir mais pra frente? porém nós nos gostávamos muito ainda. vale a pena deixar de ficar com alguém que você gosta muito só porque não pode ficar mais sério que isso? era uma faca de dois gumes. um dilema.

a gente já tinha conversado sobre isso uma semana antes de acontecer mesmo. eu tomei essa semana pra me acostumar com a ideia do fim. consegui. vi que se fosse pra acabar, pelo menos que fosse assim. continuaríamos amigos. na minha casa, pela manhã, ela não conseguia dizer as palavras. começou a chorar, mas eu entendia o que ela queria dizer.

enquanto ela chorava eu sentia uma vontade de agarrá-la. estávamos abraçados mais não queria beijá-la e estragar tudo, dar a impressão que não aceitava a sua decisão. não resisti. pulei em cima dela e dei-lhe um beijo forte. ela retribuiu. logo já estávamos um tirando a roupa do outro. foi uma das melhores transas da minha vida. ela disse que da dela também. um belo jeito de, mais uma vez, de certa forma, conquistá-la, pois ela me pediu em namoro novamente.

apesar de os pedidos não terem sido feitos por mim, isso não me torna um cara fodão. eu tenho é medo. muito. não queria me entregar fácil. às vezes acho que deveria. às vezes queria saber o gosto de um relacionamento destrutivo. aqueles que as brigas são constantes mas que o amor é mais forte e sempre se acaba voltando um pro outro. por real necessidade. eu tenho é medo de me mostrar assim vulnerável e ir eu atrás dela depois que ela terminasse comigo. falta de dieta adequada.

acabou que foi exatamente o que aconteceu. ao fim, achei que poderia suportar, mas não pude. eu deveria ser mais forte. eu tento parecer que sou, mas não consigo. até isso é mais forte que eu. desde que deixei de ser aquele cara, pensei que não haveria mais problemas em aceitar que meus sentimentos existem e que não é uma fraqueza que as pessoas saibam que eu os estou sentindo. talvez porque eu goste de saber o que as pessoas sentem. mas, geralmente, não interessa ao outros como eu me sinto.

não é querer se fazer de coitado. não é um pedido desesperado de ajuda. é um desabafo. algumas pessoas simplesmente não tem a capacidade emocional de cura, enquanto outras o tem em demasia. algumas sofrem por meses, anos, vendo outras terem um ou dois dias de sofrimento. ou nem isso. só queria isso me fosse útil de alguma forma, porque só me traz problemas.

sábado, 27 de agosto de 2011

saudades

por guilherme bernardes

é engraçado que
quando tenho certeza
que não te verei no dia seguinte
é quando mais sinto sua falta.
da sua boca vermelha,
dos seus olhos castanhos,
de seus cabelos loiros,
da sua pele branca,
tocando em mim,
me mordendo,
lambendo,
despindo,
abraçando,
e acolhendo-me dentro de ti.
é uma pena que eu terei de esperar
que você volte,
pra que eu possa,
novamente,
satisfazer-nos

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

o motivo

por guilherme bernardes

quando bebo fico
necessitado de
toque.

um abraço um beijo ficar de mãos dadas

não sou um solitário.
até gostaria
de ser. beber sozinho e
olhar o movimento da rua
e ficar tudo bem.
mas não.

preciso de alguém.
principalmente quando bebo.

ironicamente,
esse costuma ser o
motivo
para muitas pessoas se
afastarem de

mim.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

samanta

por guilherme bernardes

eu tinha quinze anos e uma moral duvidosa. eu estava com raiva do mundo. com a falta de amor que existe nele. pregava por aí que eu não tinha sentimentos. algumas pessoas acreditavam, outras sabiam que era tudo uma máscara de alguém que tinha levado um pé na bunda um tempo atrás e não queria levar outro. eu tinha medo. mas eu também achava que admitir medo, ou até mesmo um erro, era só uma demonstração de fraqueza. não achava isso nada nobre.

me falaram que a samanta estava a fim de mim. não sabia o que ela poderia ter visto em mim. eu já tinha desistido da gabi, mas não me atraia muito pela samanta. ela era diferente de mim. era bem feminina. gostava de coisas bonitinhas e usava outras cores que não preto e branco. praticamente não dei bola.

um dia fomos ver uma nova esperança na casa dela. ela tinha cortado o cabelo. cabelos curtos sempre me atraíram bastante. fui perguntar se ela ainda estava na minha.

- e aí? acha que ainda consigo alguma coisa?

- ih, agora é meio tarde. ela disse que não quer mais.

isso foi o estopim para eu ficar definitivamente com vontade de ficar com ela. eu não queria ser o objeto de desejo de ninguém. eu queria transformar todo mundo em meus objetos. eu não ligava nada pra vontade dela, só pra minha. tinha que ser quando eu queria. eu dava as ordens. eu era o desalmado que dizia que o sol nascia no meu umbigo e se punha no meu saco.

pedi pra avisarem ela que agora eu estava a fim e que se ela ainda tivesse pelo menos algum resquício de vontade que se manifestasse logo. depois eu fui descobrir que foi tudo uma armação. ela nunca tinha ficado na minha antes. era tudo um esquema pra eu ficar com ela. geralmente se a garota dá bola o cara não dispensa. mas esse não era eu naquela época. ela era nova na coisa. era alguns dias mais velha que eu, mas bem menos experiente. ela não quis perder a chance e me procurou.

começamos a nos falar pela internet. até que tínhamos algumas coisas em comum. bem poucas. achava ela muito normal. eu gostava de me achar inteligente. eu era um merda exibido naqueles dias. hoje em dia, eu teria nojo de encontrar alguém que agisse como eu agia. eu a avisei de tudo. que eu não era um cara legal, que não ligava pra emoções e tudo aquilo, pra ela saber onde tava se metendo. pareceu não ligar. combinamos de nos encontrar e darmos uma volta.

passeamos pelo bairro e acabamos indo no recém feito calçadão da praia. sentados atrás do shopping, esperei o primeiro silêncio com mais de cinco segundos e a beijei. senti sua surpresa. estava meio relutante, mas logo deixou fluir. foi um longo beijo. mas não foi muito bom. pensei em lhe ensinar algumas coisas mais tarde.

fiquei alguns dias sem falar com ela depois disso. até que numa sexta saiu o pessoal todo de novo. era uma época que todos eram menores de idade e ninguém tinha dinheiro pra ir pra outra cidade ver um show ou qualquer coisa. a gente comprava uns vinhos baratos, umas cervejas, às vezes um conhaque ou uma cachaça, e bebia na rua mesmo. na praia era mais tranquilo. ela estava junto, mas eu não dei muita importância. até que a gabi chegou, com raiva nos olhos:

- você poderia ser um pouco menos indiferente, né, giovanni?!

senti o ultimato. a garota estava logo atrás, meio sem graça de ter sido preciso isso pra me fazer falar direito com ela, mas feliz de que eu fosse lá e segurasse sua mão. fizemos a volta pela praia em direção à casinha. era uma casa que só era habitada no verão. ainda faltava um ou dois meses. tinha uma varanda ótima, com uns arbustos que não deixava quem passasse na rua nos ver. mas nessa noite tinha gente demais pra isso. e a gente não tava nem aí. não estar nem aí era uma coisa que a gente fazia muito bem.

eu gostava de fumar naquela época, mas não quis fumar por causa da samanta. insisti e ela disse que tudo bem eu fumar um cigarro. mas depois pediu pra eu tomar uns bons goles de vinho pra tirar aquele gosto de fumaça da boca. não me importei com isso. quis ter um pouco de privacidade com ela e fui pra parte dos fundos da casa. era onde a gente mijava na parede, lavava a mão no tanque, tinha umas conversas sérias sobre a banda ou sobre nosso futuro. mas fui lá pra dar uns amassos. não tinha cheiro ruim. o lugar era bem aberto e existia alguém que limpava aquilo. nunca soubemos direito quem.

começamos a nos beijar e foi esquentando. tentei agarrar sua bunda. ela tirou minha mão de lá. tentei de novo e ela sempre não deixando. parei de beijá-la e lhe disse:

- olha, você sabe que eu não gosto muito dessas coisas sentimentais, né? sabe que eu não vou me apaixonar por você nem nada do tipo. pra isso funcionar, eu preciso de um estímulo físico. e pegar na sua bunda é um. se não der pra fazer isso, acho que não vai rolar.

que filho da puta.

- ah, tudo bem então. mas vai ter que dar uma volta na casa.

achei um preço justo e estúpido ao mesmo tempo. eu já estava meio alterado e não dei bola. fiz a volta caminhando e a encontrei me esperando nos fundos de novo. agora estava definitivamente bem melhor de ficar com ela.

eu ficava dias sem falar com ela e mandava uma mensagem ou fazia uma ligação rápida quando queria alguém pra passar um tempo. ela sempre vinha. eu a tinha na palma da minha mão. ela foi deixando eu me aproveitar mais. conseguia pegar nos seus peitos sem ela reclamar. mas ela dizia que preferia que eu pegasse na bunda. mas ela não soube separar as coisas como eu. ela começou a se apegar e tentou uma manobra arriscada.

eu percebi que ela estava se apegando e decidi que ia dar um fim naquilo antes que ela se machucasse mais. por mais que não tenha me apaixonado, não dá pra negar que eu ligava um pouco pra ela. a estratégia dela foi me chamar pra conversar.

- acho que desse jeito não vai dar. eu sabia que você era difícil, mas parece que eu sou um objeto pra você. talvez seja melhor a gente não continuar mais juntos.

ela achava que a gente estava junto. até lembrou no dia que fez um mês do nosso primeiro beijo. ela também estava meio chateada por eu ter dado um beijo em outra garota numa festa que ela não foi. acho que ela não tinha razão em ficar. de qualquer forma, o que ela queria que eu fizesse era dizer que eu ia mudar. que eu ia parar de agir daquela forma e tratá-la melhor. era só isso que ela queria ouvir. em vez:

- ah, pois é. eu estava pensando mesmo nisso. acho que seria melhor a gente não continuar mais nisso. - entrei no jogo dela pra não ficar tão chato.

ela ficou surpresa. seguiu seu caminho e eu segui o meu.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

a hora

por guilherme bernardes

ver escapar nos dedos
toda lembrança,
como se ignorar

fosse fácil.

noites escuras em claro,
pensativo na
vida e

assistindo woody allen
e se identificando
com quase tudo
e rindo

por ser
transformado em
mero acontecimento
que teve

sua importância, mas
é hora de seguir...

espero apenas

estar no
caminho
certo

quarta-feira, 27 de julho de 2011

o risco

por guilherme bernardes

- tu sabe que eu gosto muito de ti, né?

- uhum.

- mas eu ando muito confuso.

- ...

- acho que seria melhor a gente dar um tempo. pra ver se é isso mesmo.

- ah...tá.

- não se irrite...nem se chateie.

- me chatear não tem como evitar...

- hm...mas se eu ver que sinto demais sua falta e pedir pra voltar, você volta?

- volto.

- mas e se você não quiser mais?

- isso é um risco que se corre todo dia.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

a noite

por guilherme bernardes

primeiro você
espera seu pai fechar a
porta

vai na gaveta e
pega aquele vinho
vagabundo que
você comprou com seus amigos
e escondeu
e deixa ele perto de você
e começa dar uns tragos

depois você fecha
a sua própria porta
e senta na sua cama com o
computador
no colo

daí você fala
com alguns amigos o que
tá rolando na sua
vida
e na vida deles

banda
mulheres
porres
experimentações
e aquela kal total

aí o vinho acaba

você fica meio
triste e
meio tonto
e fica off line

põe um
miles davis
bitches brew, se possível,
pra tocar
e curte enquanto admira o
teto girando

vai dar uma boa mijada
e sente
a inspiração
batendo e decide
escrever um poema
sobre isso tudo

antes de bater
uma punheta e ir dormir

assim se faz
uma puta de uma
bela noite

quinta-feira, 30 de junho de 2011

a sobra

por guilherme bernardes

flerte com a poesia concreta, prosa experimental
estilo próprio não existe
nunca existiu. é tudo muito novo, muito
recente

é como mostrar os dentes

e deixar de
ser tímido

olhe nos
olhos
da caverna
encare a verdade
eu não sei se consigo

boa sorte pra ti

sexta-feira, 6 de maio de 2011

como e porque sou minimalista

porque sim.
gstoo do meu
csruo. gtoso das
psoases que
chnecoi
nlee.
de crtea fmora, me
dedico. mas só
o snitciefue. não etsá nos mues
palons ceginsuor qlqeuuar
tpio de dtsqeaee na
áera. dfnaienemititve,
não sirvo pra vida acadêmica.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

a invenção

por guilherme bernardes

– cara, ando sem tempo pra nada.

– isso não é meio obvio?

– como assim, óbvio? tem gente com tempo de sobra.

– eu já acho que o tempo não existe. e você não pode ter algo que não existe.

– o tempo existe, sim. é com ele que medimos...o tempo!

– mas e os outros calendários? eles têm um "tempo" diferente do nosso.

– ótimo exemplo! mesmo que meçamos o tempo de maneiras distintas, ainda o medimos. dentro de todos nós está a crença no tempo.

– você não acha que isso é imposição da sociedade? se quisesse medir o tempo do meu próprio jeito, poderia até morrer de fome. talvez nunca achasse um mercado aberto.

– isso pode ser. mas então você admite que o tempo existe?

– claro que não! é tudo uma invenção!

– que quer dizer com isso?

– ora, claro que as coisas acontecem numa determinada ordem. as flores nascem na primavera, faz frio no inverno. mas isso são apenas formas de organização criadas pelo homem. os animais não tem noção do que é tempo e mesmo assim vivem.

– os animais não trabalham...

– exatamente! o tempo é uma invenção pra nos fazer trabalhar!

– você está esquecendo uma coisa.

– o quê?

– bem, vai ver o tempo é, como diz aquele filme sobre deus, que nem a roda ou o avião.

– não entendi.

– foi o ser humano que inventou, mas isso não quer dizer que ele não existe.

– é. há certo sentido. mas depois penso nisso. tenho que ir que estou atrasado.

a culpa

por guilherme bernardes

às vezes eu queria não depender de ninguém. não ter responsabilidades, horários. não sei se seria isso um exercício de real liberdade ou se é só pura preguiça de tomar atitudes, de assumir compromissos. o fato é que eu não gosto de decepcionar as pessoas. não dou a mínima que elas não gostem de uma coisa que eu odeio, mas me sinto mal se eu sou o único que gosta de algo mal visto. seria bom que ninguém não esperasse nada de mim. de certa forma, eu não espero muito dos outros. mas não é nesse mundo que vivemos.

em discussões de boteco, que de vez quando se prolongam até no banco do ônibus, lembrei de como não estamos no controle. como por muitas horas, pra não dizer todas, do seu dia, seu destino está nas mãos de outras pessoas. o motorista do seu ônibus pode estar num mal dia. você não sabe se a mulher dele o deixou. se perdeu algum parente recentemente. se seu filho está envolvido com drogas. se dividas o estão sufocando. por tudo isso, ele pode estar numa depressão imensa e, simplesmente, querer se matar. e talvez leve todo mundo no ônibus junto. não dá pra saber.

também não dá pra ficar com isso na cabeça o tempo todo. caso contrário, você não vive. ou será que vive? também não dá pra saber, porque ninguém faz isso. e é exatamente nisso, nessa certeza que temos no incerto, a razão da confiança no motorista. vivemos num mundo onde é impossível não depender dos outros. mesmo que você seja um eremita, você depende de uma série de fatores, já que o lugar onde você mora deve ser de alguém – porque também vivemos num mundo em que tudo tem dono – e a conservação desse lugar não depende só de ti. até indiretamente, como questões de poluição e desmatamento, há sempre uma maneira em que o outro vai estar presente na sua vida.

ruim de admitir. tão ruim que você prefere fingir que não sabe disso. toma um trago, fuma um cigarro, pratica um esporte. usa uma válvula de escape só pra se sentir distraído. encontra no vício a saída para a indignação da sua falta de autossuficiência. e, sem querer, se torna mais uma vez, escravo do acaso. saber de tudo isso não vai te fazer melhor. talvez faça pior. mas é mais provável que tudo continue igual. quase sempre tudo continua igual, o que também é ruim de admitir.

o tempo passa desapercebido. por raras vezes é possível ter a impressão de ouvi-lo gritando “me aproveite! me aproveite!” e você acha que era só um carro que passou buzinando. e por vezes o próprio tempo não lhe dá tempo de aproveitar o tempo – como dizia aquela música. a desesperança na melhora, a descrença na esperança, a desmelhora na crença. afinal, a esperança é só uma prova de que as coisas não estão bem do jeito que deveriam estar. se eu acreditasse que o tempo existisse, poderia culpá-lo.

se eu acreditasse que qualquer coisa existisse eu a culparia. mas não tenho deus, não tenho metafísica, não tenho destino traçado. no momento, tenho um pacote de bolachas vazio e um copo de guaraná. mesmo que eu os culpe por, sei lá, minha forma física, a culpa é minha, que os como. engraçado. no fim das contas, depois desse discurso todo, reconheço que a culpa é só minha.

hoje eu acordei cansado. é quarta-feira e eu tenho muito o que fazer.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

o boxeador

por guilherme bernardes

cada ponto é um soco
cada parágrafo é um round
cada conto é um luta
cada livro é um nocaute

quinta-feira, 31 de março de 2011

o homem-cidade

por guilherme bernardes

sentado sozinho. sete da manhã. reitoria vazia. pensativo, até demais, ele fica. olha para o movimento da rua com os olhos que doem por causa do pouco sono. eles querem fechar novamente, mas ele não tem para onde ir.

a opção foi dele de ficar assim. a culpa corrói seu corpo que só se lembra da bebida como solução. "de novo, não!", foi dito. os olhos se arregalaram, a respiração ficou pesada e o coração bateu rápido. e a culpa crescendo crescendo crescendo...

vontade de sumir, desaparecer. e assim transparecer toda a covardia que ele luta diariamente para manter escondida. o céu cinza, mas sem chuva, não condiz com sua realidade neste dia. hoje, há uma tempestade dentro dele. hoje os demônios o perseguem em cada esquina para lembrá-lo que a culpa é só dele e de mais ninguém.

ele, que sempre é calmo, não consegue esconder essa angústia. pode até não contar pra ninguém o que aconteceu, mas talvez não consiga mentir se lhe perguntarem "tudo bem?". imagina se tudo não passa de um sonho. percebe que realmente, não. numa certeza que só faz sentido em sua cabeça. a mesma que crê em ideais utópicos e na bondade dos homens. sozinho, se dá conta da própria ingenuidade.

treme de frio e vê o céu a clarear. acha a saída para aliviar a tensão na escrita. não adianta muito. "pedir desculpas não vai ajudar nada.", ele sabe. o que ele deveria fazer, então? sorrir e agir como se nada tivesse acontecido? ah! por favor! assumir um erro é, de fato, nobre - por muito tempo ele pensou que fosse apenas fraqueza, talvez ainda tenha dúvidas. ainda se não houvesse solução... não vai acontecer nada, isso é certo, mas pelo resto de suas vidas seguirá a lembrança e uma lição.

ele poderia muito fumar um cigarro. iria relaxar, querendo ou não. engraçado como ele tende fácil aos vícios. começa a sentir vergonha. não que a culpa tenha sumido, mas, agora, outro sentimento de inferioridade aparece. vergonha de sua imaturidade, vergonha de sua falta de cuidado. vergonha de sua existência. o cigarro não vai chegar perto dele. não dessa vez.

há muito em jogo, pelo menos pra ele. dois anos, em sua maioria, felizes, cheios de transformações, de crescimento individual. dois anos que o "junkie sem sentimentos" encontrou a salvação e nela se segurou com todas as forças. o amor que surgiu e o uniu com alguém tão perfeito à seus olhos. ele sabe que não é bem assim. ela tem defeitos, claro, mas que ficam pequenos, se lembrada a alegria de estar com ela.

agora, ele espera, ansioso, que isso se esqueça. ou que ao menos seja posto de lado. a culpa, a vergonha, a consciência pesada já lhe parecem castigo suficiente. ele é, com certeza, uma criança. um babaca. hoje não há festa que o anime. hoje ele é curitiba. fria, cinza e mal-humorada. queria ele saber, também, o que essa cidade fez de tão errado pra ficar assim.

terça-feira, 29 de março de 2011

o teste

por guilherme bernardes

eu achei que seria o dia que eu realmente começaria a ter aulas na faculdade. há uma certa expectativa, não nego. mas também acho bom ainda não precisar me esforçar tanto. mesmo assim, antes de ir até a reitoria e só ter uma “aula” de quase duas horas, eu tinha preparado o meu celular pra despertar e eu não queria perder a hora. quando escuto o bipe do começo de “fantasminha” sei que é hora de levantar. mas eu sempre me enrolo mais um pouco até realmente me sentir acordado. tomo um banho, escovo os dentes, mato um tempo fazendo nada e saio.

no caminho, vou olhando pras pessoas que estão nos pontos de ônibus normais. elas, que acabaram de sair do colégio. me senti bem sabendo que, pra mim, aquilo já tinha acabado. tenho quase um quilômetro de divagações e devaneios até a estação tubo do inter dois. e aquele desgraçado chegou bem junto comigo. não dá pra saber se virá um logo depois ou se aquele será o único a passar por horas. a passagem aumentou. participei de algumas manifestações contra isso antes do aumento. realmente não sei como ficarão as coisas agora. bem, o fato é que tive que correr pra alcançá-lo e entrei ofegante no ônibus. estava de fones e não sabia o quão alto minha respiração estava, mas não gostei da sensação de ter todos me olhando por ser o único que entrou vindo daquele tubo.

desembarquei no terminal seguinte e fiz minha conexão. não tinha almoçado ainda, por isso fui no érreu quando cheguei. conversei com um veterano sobre o meu carnaval no psicodália. foi realmente muito bom. se não superou, ao menos atingiu as expectativas. apesar de ainda sentir algumas dores causadas pelo colchão de ar pouco confortável. era uma sensação de verdadeira liberdade. um desapego de tecnologias supérfluas que nos acostumamos a não viver sem. além da fuga do carnaval pelo qual o brasil é conhecido, e que eu nunca consegui me identificar.

vagneeeer!

subi até o sexto andar para, finalmente, ter aula. mas não foi bem assim. foi só uma “apresentação”. e uma pequena discussão sobre alguns conceitos. assim que acabou, fui correndo comprar um café. estava caindo de sono. fiquei lá embaixo matando um tempo com algumas colegas, quando nos vimos em cima da hora pra próxima aula. pegamos o elevador correndo. aquele elevador é fascinante. ele te dá um frio na barriga quando desce e, quando sobe, você fica imaginando se ele aguenta. e às vezes te dá a nítida impressão que está na verdade descendo. você só acredita quando se vê no andar de cima. quando chegamos, nada do professor. esperamos algum tempo e nada. desistimos e decidimos todos irmos pro bar.

lá, encontramos alguns veteranos e nos juntamos à mesa. a cerveja vai chegando e vamos bebendo. eu tinha dito que não ia beber. nunca cumpro minha palavra pra essas coisas. o pedro me ligou uma hora pra me contar novidades da banda e perguntou aonde eu estava, por causa do barulho. “parceria”, eu respondi. “porra! mas você não sai daí!” disse ele. é inexplicável. nós simplesmente vamos. é automático. é uma busca sem fim que o ser humano tem por diminuir/aumentar sua percepção das cosias. eu gosto de lá. mas queria mudar de ares de vez em quando.

depois de um tempo sentado, um pessoal, os fumantes, vão pra fora do bar pra acenderem seus cigarros. ficamos quatro pessoas na mesa, de um grupo de vinte. sinto falta de participar dessas rodinhas mais externas do bar, no tempo que eu fumava poderia. hoje parece estranho. mesmo assim, decido ir. até porque o papo na mesa não era algo que eu entendia ou gostasse muito, diferentemente dos outros três caras que dissertavam com empolgação sobre as múltiplas interpretações que cada povo do senhor dos anéis representava.

o tempo vai passando e algumas pessoas começam a ir embora. achei que eu, novamente, seria o último calouro a ir embora. foi quando minha namorada me ligou dizendo que já estava em casa. meu companheiro de mesa tinha ido ao banheiro. tínhamos acabado sozinhos na mesa e num papo muito interessante sobre literatura curitibana. e como era ruim que pouca gente hoje gostasse de trevisan e leminski. sobre minha paixão pelo minimalismo. em como dizer o máximo usando o mínimo. contos de uma linha ou hai kais que são puros espirros criativos. eles simplesmente saem, e, com certeza, você não consegue fazê-los de olhos abertos. o esperei voltar pra avisar que iria embora. quando ele volta, uma mulher se aproxima da nossa mesa. ela olha pra mim e diz:

“oi, você estaria interessado em participar de um teste pra um comercial? estamos procurando por barbudos.”

“quando?”, eu respondo.

“hoje. até às dezenove horas. lá no juvevê. o cachê é de dois mil reais.”

anoto o endereço e vou até minha namorada pra chamá-la a me acompanhar. agora pensando, foi um tipo de coisa bem espontânea que aconteceu. algo que ela tinha reclamado antes, de como eu sou metódico. acho que foi uma experiência bacana acontecer isso do nada e eu a levar comigo.

depois de uma bela caminhada, conseguimos achar o lugar pedindo informação apenas uma vez. o lugar não parecia em nada com uma produtora por fora. logo na entrada, uma mulher com um papel a sua frente faz anotações. olho as pessoas já presentes. eu, definitivamente, era o menos barbudo dos barbudos ali. e as mulheres e os outros homens (sem barba) com aquela cara de espera. alguns ali tentavam ganhar a vida com aquilo. tudo que eles querem é uma grande chance. ela pergunta meu nome. “giovanni berdinski”, eu digo. pergunta também minha idade e altura e se vim de alguma agência. assino um contrato/questionário que respondo tudo não, já que nunca nem cheguei perto de trabalhar com isso.

e começa a minha espera. meio desnecessária foi a maquiagem. não fez diferença alguma. li o roteiro grudado na parede várias vezes. era um comercial de celular. uma cópia da claro do plano infinity da tim. mas tudo bem. a maquiadora me disse que o cachê era, na verdade, de três mil reais.

recebemos instruções de que teríamos de fingir que estamos recebendo uma ligação. ok. parece fácil. penso sobre o que posso falar. decido encenar um convite do pedro me chamando pro bar. soaria bem natural. era mais fácil eu falar sobre algo que eu sabia. depois, chega minha vez. ponho uma máscara de mergulho e enceno. a mulher pede que eu faça parecer com alguém que mora longe, não alguém que verei em breve. precisei pensar rápido. invento que o pedro foi pro psicodália e eu, não. a primeira vez com essa história ficou boa. a tal diretora até me elogiou. mas a maldita máscara caiu completamente. e na hora de pô-la novamente deu trabalho. fiz ainda mais uma vez. não ficou tão boa quando a outra. pareceu que fiquei tempo de mais só ouvindo. fingir ouvir é fácil. você tem que dar continuidade. mas, pelo menos, não tive problemas com a máscara.

saí do estúdio e fui encontrar minha namorada. estava lá fora conversando com uns atores. depois de um papo rápido vamos embora nós também, procurando o caminho certo pra voltar. me perdi por alguns instantes, mas seguindo meu instinto chegamos no lugar que queríamos e, de lá, o caminho era fácil. passei um tempo na casa dela, pois não havia a visto direito, até que ficou tarde pra ir pra casa. eu ainda tinha dois ônibus pra pegar.

quarta-feira, 9 de março de 2011

a quitinete, parte dois

por guilherme bernardes

aquele era o dia. dali a algumas horas tudo estaria acabado. precisava escolher um vestido atraente e me maquiar bem. olhei o movimento da rua. vi o santa cândida passar e, por coincidência, vi ele atravessando a rua. tudo tinha que dar certo, afinal, foram semanas planejando, me fingindo passar por uma qualquer. mas me confortava saber que tudo teria seu fim muito em breve.

o relógio marcava sete horas. era terça-feira, mas sempre há algo rolando nos bares por aqui. sabia da rotina desse cara. ele era, na verdade, bem previsível. a cerveja era barata no chinasky e tinha blues no blues velvet. ele sempre ia. decidi segui-lo e ver se ele notava alguma coisa. como esperado, ele já estava lá. e sozinho. bebeu quatro ou cinco garrafas e foi pagar a conta. agora já eram onze horas.

no outro bar, ele sentou no sofá e ficou lá pensando. três pessoas apareceram e o cumprimentaram. ele já estava bem alterado. foi até o balcão e pegou sua primeira double vodka da noite. ele realmente sentia o blues. aquela música estava mexendo emocionalmente com ele. era visível tanto quanto a indiferença dele de que os outros percebessem isso. quando ele voltou ao sofá, achei que fosse a hora mais apropriada de tentar uma aproximação.

– oi!

– ah?... ah! oi... – respondeu ele desorientado.

– posso sentar com você?

– claro.

ele não estava interessado em mim. algo muito sério rondava a sua mente. todo o tempo em que passei o espionando ele se demonstrou um homem muito longe do lugar onde ele estava. mas não pude chegar à conclusão nenhuma sobre o que se tratava. mas o que ele fez é imperdoável e ele vai pagar.

– você é daqui? – continuei eu, com um sorriso no rosto.

– aham – sua indiferença estava começando a me irritar. mas me mantive concentrada.

– bacana... eu vim de santa catarina.

– morei muito tempo por lá...

eu, claro, já sabia disso. comecei a falar sobre cinema com ele. ele logo se empolgou e, pela primeira vez, o vi realmente focado no que fazia. ele falava com paixão do assunto. entusiasmado, divagava por todas as interpretações filosóficas de qualquer filme que eu citava, além de admirar as qualidades técnicas deles. fez algumas piadas. eu ri. odiava admitir que um idiota daquele estivesse me divertindo. mas eu estava determinada, mesmo assim.

quando o bar começou a fechar, ele me convidou para ir até seu apartamento tomar um vinho. ligou para um táxi e em cinco minutos estávamos lá. nunca cheguei a tomar vinho nenhum. ainda no corredor, começamos a nos agarrar. e ao abrir a porta de sua quitinete, fui carregada por ele até o colchão que ele tinha no chão. era um lugar bem pequeno. quase me deu pena dele. quase achei que ele já era fudido o suficiente
e que eu deveria perdoá-lo. quase.

fizemos sexo até as seis da manhã. foi bom. acabamos dormindo. era passado das quatro da tarde quando percebi que ele tinha se levantado. fingi que continuava dormindo para ver o que ele faria. simplesmente pôs a mesma roupa da noite anterior, deixou um bilhete ao meu lado e saiu. ele não tinha algo que eu pudesse roubar e sabia disso. me levantei em seguida e fui até a janela e o vi caminhando. estava novamente com a mente distante. me vesti com pressa e desci as escadas.

fui até o mercadorama da mariano torres correndo e peguei a caixa que eu tinha deixado no guarda-volumes. com cuidado, a trouxe de volta para a quitinete dele e a abri. tirei minha arma de dentro dela e a pus na minha bolsa. levei a caixa para o lixo reciclável do prédio. tirei novamente minha roupa. tentei deixá-la como estava na hora que ele saiu e fui para o banheiro.

o ouvi abrindo a porta e gritando “ei!”. retribuí da mesma forma, dei descarga e destranquei a porta. saí nua. pedi que me ajudasse a achar minha calcinha e já iria embora. ele tentou me fazer ficar. continuei agindo normalmente. acendi um cigarro. ele não lembrava meu nome. eu disse que era mônica. ele disse se chamava giovanni. decidi revelar que eu sabia quem ele era. ele se mantém calmo. acendo um cigarro pra ele e me abaixo pra me vestir.

ele pergunta do que mais eu sei. penso em contar tudo que eu sei. tudo que ele fez para que eu o odiasse tanto. mas não o faço. prefiro ser fria e rápida. saco a arma de dentro da bolsa, aponto e atiro. ele cai sangrando no chão e eu o deixo lá. tranco sua porta por fora e levo a chave comigo. deixo a chave cair na calçada e continuo fugindo.