quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

o poliglota

por guilherme bernardes

a nova cidade trouxe
tudo que ele queria:

novas pessoas
novos pensamentos
novas festas
novas fugas

mas ele sente a ausência
daquelas horas tão
marcantes
sob o luar na praia
ou sob a casinha
e tudo que aquilo pode
representar pra ele

sua vida, tida como
tão sem ambição, parece
completa, mas não
é assim sentida.
se realmente lhe faltasse
ambição,
se realmente o "don't try"
fosse seguido,
não exisitiria tal sensação

quem sabe seja só o efeito do álcool,
pois ele adora dias cinzas.

somente saudade não pode explicar tudo.

até porque, se fosse isso,
só quem fala português entenderia.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

a chuva

por guilherme bernardes

não chove mais.

caem gotas das
árvores,
dos telhados, mas não
chove mais.

choveu muito
e por muito tempo.
constantemente caindo sobre
qualquer corpo.
culpado ou não.

ela lavou e sujou,
é verdade,
mas o mais importante
foi ter deixado tudo
mexido.

nesse período de seca,
resta a nós esperarmos
para que novas nuvens sejam
formadas, e com elas, uma
chuva torrencial
volte a cair.

encham suas piscinas,
nem que com lágrimas, mas por favor,
ajudem a voltar a chover.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

o único

por guilherme bernardes

ídolos, amigos,
deuses, sensações, loucuras,
bebidas, tragédias, noites, corpos,
roupas, imagens, obras de arte, palavras
e mais tudo aquilo,
as coisas que eu pensei e não escrevi,
elas vem e vão.

mas eu contínuo.

a única pessoa que eu
concordo com tudo
que diz
sou eu.

o instinto

por guilherme bernardes

esperei o telefone tocar.
não tocou.

esperei a fome bater.
não bateu.

esperei a hora chegar.
não chegou.

esperei o tédio aparecer.
nem precisei.
em dois segundos aqui estava ele.
com seu sorriso amarelo.

trouxe consigo, ainda,
uma amiga.
a preguiça.

é uma combinação explosiva.
te deixa culpado de não mandá-los embora.

pior ainda,
é a sensação
que a há muito não sentia.
da distância.

não faço nada de errado.
pra que omitir?
é instinto de canalha.
só pode.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

o dançarino

por guilherme bernardes

isolado.
rodeado de gente
mas sozinho.

gente que ele gosta
ou que são são legais com ele
mas não importa.
não é um bom dia
e isso é tudo.

música triste e alta
berrando-lhe aos ouvidos
angústias alheias
- transformadas tanto
em arte
quanto em cifrões -
animadoras
para mascarar a própria
solidão.

ele dança.

mexe seu corpo de formas entranhas
chama a atenção mas
é incompreendido.

no fundo, a certeza
de mais um dia desperdiçado
até que ele possa dizer
que vive do próprio sofrimento
ou que ele se foi
e agora sorri.

o resultado

por guilherme bernardes

não me esforço em meus discursos
mas não chega
a ser relaxo
é que os dedos,
ao verem a máquina,
se descontrolam, eu acho

mesmo assim, ainda insisto
em continuar
tudo o que faço
e ciente que o destino
reservou a mim
todo o fracasso

sábado, 2 de outubro de 2010

o turista

por guilherme bernardes

o dia está cinza
do jeito que eu gosto
minha cabeça ainda dói
não cumpri meus deveres
preciso dormir
preciso beber
preciso sair dessa aula
e fazer algo que valha a pena
está no meu limite
meu instindo hedonista não quer
mais ser ignorado
quer ser explorado
assim como eu quero explorá-lo
extrair do mundo uma razão,
um sentido
porque os meus estão ultrapassados
da onde veio essa
súbta vontade de renovação?
sou um turista na minha
terra natal
e tive minhas companhias mudadas
sou interrompido pelo sistema repressor
sou ignorado pelos alienados
sou ouvido por alguns
mas quem eu quero que me ouça
que note a sabedoria que
ponho no papel
está bem a frente de mim
e prefere ficar com seus fones de ouvido

o dia

por guilherme bernardes

hoje foi um dia de tentativas:

tentei ler
tentei assistir aula
tentei sorrir
tentei fingir
tentei falar francês
tentei curar minha dor de cabeça
tentei ouvir música
tentei escrever um bom poema
tentei dormir

não consegui nada.
acho que o tentado fui eu.

domingo, 19 de setembro de 2010

o almoço

por guilherme bernardes

quando bebo sozinho
todos os meus "problemas" se juntam
como se fossem
convidados na minha
mesa

fico triste, pois nem a
solidão
está comigo, e a
tristeza
é má companhia

quando bebo sozinho
o mundo gira
ao meu redor
as coisas mais banais
são tudo que tenho
e é nelas que penso

o que realmente importa
é esquecido
toda a alegria se vai
e me torno mais um
sem razão

me pergunto se faço
a coisa certa.
se não deveria sujar
essa folha com
a bebida e ir embora
sorrindo.

quando bebo sozinho
não preciso de desculpas
dar explicações ou
falar
apenas bebo, porque da minha miséria tiro minha arte, que me dá
[motivos pra viver

olho as pessoas tecnicamente
analizo suas
feições e noto
que quase ninguém gostaria de estar
ali

penso em chamar alguém pra conversar,
um desconhecido,
mas sou muito tímido
e fechado,
e seria o mesmo que beber sozinho

sou ignorado
faço parte de uma massa
marginal, escória da qual pertenço

quando bebo sozinho
cada gole é meu
e o princípio de
arrependimento em
gastar meu dinheiro nisso, some
após o primeiro

sinto falta do cigarro,
da fumaça saindo e entrando,
da sensação de relaxamento

tudo faz sentido
nada faz sentido

talvez eu beba pra encontrar sentido

mas quando bebo sozinho
não vejo motivos.
vejo minha bebida, e todos
os meus devaneios são
trivialidades
de uma mente alcoolizada

o ônibus

por guilherme bernardes

peguei um ônibus raro
não haviam pessoas que se
conheciam
ninguém olhava a cara de ninguém
ou conversavam

todos estavam sérios e
por várias estações tubo,
não houve um sorriso.
será mesmo que nenhuma
das pessoas ali tinha um
motivo pra sorrir?

talvez seja o ônibus
um buraco negro
que suga a alegria das pessoas

foi quando ela entrou.
loira, de cabelos longos.
fazia calor, mas ela estava elegante.
um vestido branco
solto e curto.
suas pernas longas e de coxas grossas
a mostra.

ao dirigir-se à outra parte
do ônibus
o homem de óculos escuros
olhou-a de cima a baixo
de um jeito bem
típico

atrás dele,
o rapaz de camisa vermelha
percebeu a ação e
sorriu.

por dois segundos
aquele deixou de
ser um lugar de olhares
distantes e preocupados.

sábado, 28 de agosto de 2010

o caminho

por guilherme bernardes

um cigarro
aceso é metade
do caminho quando
os olhos distantes
te observam com cautela.

vigiam casa passo seu e
esperam seus movimentos
com a mesma desculpa de
sempre.

você anda só,
torcendo para que
chegue logo ao seu
destino.
perdido depois de
mas um poste
apagado,
e mais uma cena de horror,
e mais uma sensação de medo,
e mais uma dúvida exposta nas placas.

o mundo perde seu valor
sem questionar quanto
tempo lhe resta.

mas ainda tenho mais
dezenove
nessa carteira.

o jardineiro

por guilherme bernardes

"se tem uma coisa que você
não precisa me
oferecer,
é quiabo.

eu nunca experimentei,
mas só de
olhar
já me embrulha o estômago.

minha mãe sempre
dizia:

'como você sabe que não gosta
se nunca comeu?'

'é só ver, mãe!
nunca que isso é bom!'"

oh!, sabedoria desfavorecida!

sábado, 10 de julho de 2010

o garoto que tinha medo do futuro

por guilherme bernardes

o garoto que tinha medo do futuro
não sabia se controlar.
se perdia em prantos
ao tocarem no assunto.
era pior do que uma faca a sua frente.

lhe disseram pra procurar
tratamento.
não dava pra conversar
assim.
ele se irritava,
tornava impossível lhe entenderem
e não ouvia a mais ninguém.

o futuro era mascarado demais
era desconhecido demais.
controle sobre ele, o garoto
não tinha.
o que o fazia se borrar todo.

talvez se ele planejasse
as coisas, o medo fosse embora.
houve uma época em que
ele fez isso.
não havia medo, mas
seus planos nunca funcionavam.

agora,
sem planos,
sem esperança,
ele espera o futuro
com o cu na mão.

o acidente

por guilherme bernardes

eu tinha uma vida normal para dos padrões atuais. um emprego de merda, uma família ausente e pouquíssimos amigos. adorava poder me entorpecer no fim de semana e, sempre que me sobrava um tempo livre, eu o desperdiçava...melhor, aproveitava...ah! eu o ocupava dormindo.

claro que eu tive sonhos. desde jovem você começa a acumular metas e sempre deixa pra quando sua vida estiver mais "estabilizada", mas isso leva tempo. quando você menos espera, sua maior ambição é conseguir subir do posto de garoto de recados para alguém com seu próprio escritório. ser um escritor, um músico, até mesmo viajar...isso nem passa mais na sua cabeça.

minha revolução foi meio inesperada. a automatização das minhas ações era perfeitamente normal e já tinha me acostumado com isso. era uma tarde comum, cinzenta e fria. ia comprar um cachorro-quente na esquina quando um ônibus passa correndo. por instinto, escapei jogando-me na calçada. mas o rapaz ao meu lado não conseguiu.

enquanto eu caia no chão, vi tudo acontecer. foi como se o mundo todo começasse a girar em câmera lenta, e eu observei cada detalhe do acidente. um lapso de pavor tomando conta do rosto do sujeito, uma inútil tentativa de parar o veículo com com as mãos e vi o sangue jorrar quando a cabeça foi atingida. tenho pra mim que o barulho de seus ossos quebrando foi mais alto que os pneus cantando na freiada brusca, até mesmo que o grito de pânico que saiu daquela boca antes do cara apagar.

em poucos segundos uma multidão se aglomerou ao redor de nós. uma ambulância veio rápido. mas tudo acontecia tão rápido. acho que o universo estava compensando a hora do acidente, que tudo estava devagar demais. perguntaram-me se eu estava bem. balbuciei que sim e me mantive quieto. vi os paramédicos porem o corpo numa maca e saírem com pressa. não havia saco preto nenhum. o filho da puta ainda estava vivo! saí correndo em desespero.

cheguei ao meu apartamento, entrei no elevador e subi até o meu andar. abri a porta e depois passei todas as trancas possíveis. comecei a andar em círculos. por algum motivo eu me sentia culpado por tudo aquilo. que coisa mais imbecil! a culpa não era minha...ou era? tomei vários calmantes de uma vez e dormi.

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um raio de sol chegava até meus olhos pela fresta da cortina. o dia recém amanhecia, pássaros cantavam. era tudo tão bonito. onde é que eu vim parar? isso não estava nenhum pouco normal. achei que era melhor eu me levantar.

de repente me dei conta que aquele não era meu quarto. era muito maior. estava numa cama de casal e uma mulher ao meu lado. ela acorda com meus movimentos e diz: "tudo bem, amor?" como assim?! eu não tenho namorada! ouço passos de alguém correndo, passos pequenos, de criança. então uma garotinha entra no quarto e pula na cama. "papai! papai! vamos no parque hoje?" papai?! puta que pariu! que merda é essa?!

milhares de flashes tomam conta da minha mente. uma vida inteira, que não era a minha, passa diante dos meus olhos. as cenas do meu casamento, o funeral da minha mãe, o nascimento da minha filha...estava tudo fazendo sentido novamente.

"claro, querida. e aonde mais você quiser!" eu respondi. com pressa, ela saiu da cama e voltou para seu quarto, provavelmente escolher a roupa mais bonita pra sair hoje. eu nunca tinha me sentido tão bem. achei que não havia como melhorar. foi quando olhei pro lado e vi minha esposa. todos os nossos momentos felizes passaram em minha cabeça, assim como a lembrança de o quanto eu a amava.

"faz tempo que não te vejo assim, de bom humor..." ela disse. "que tal aproveitar e tomar um banho comigo, então?" respondi. com seu lindo olhar de malícia ela acena que sim com a cabeça e ambos fomos juntos pro banheiro.

cada centímetro de seu corpo parecia esculpido a mão. ela era linda. começamos a nos beijar apaixonadamente e então a passar as mãos um pelo corpo do outro. estávamos já excitados e a penetrei. sexo nunca tinha essa sensação comigo. costumava ser algo vulgar, carnal. com ela existia sentimento, era sensacional. gozamos juntos, nos lavamos e saímos do banho.

minha filha já estava pronta e ansiosa para sair. era fim de semana, depois de eu trabalhar tanto. eu agora me tornara professor, e amava o que fazia. gentilmente minha mulher me pede que eu vá comprar pão na padaria da esquina, pra tomarmos café da manhã. com um beijo lhe respondo que sim e saio sem pressa.

ao sair do meu prédio, um susto. vi a mim mesmo passar na minha frente. meu antigo eu. decidi me seguir. o cenário era muito parecido...uma incrível sensação de déjà vu. o homem ia até a esquina comprar um cachorro-quente. caralho! eu vou morrer! o ônibus! saio correndo desesperado, sabendo do destino que me aguarda. a rua parece mais comprida, eu não consigo me alcançar. quando finalmente chego a esquina para me impedir, vejo que aquele homem não era eu. fico muito confuso. eu poderia jurar que era. continuo parado, com cara de trouxa, sem reação. até que retomo a consciência e o me foco em outra pessoa vindo. agora, sim, sou eu. foi quando ouvi um barulho de pneus freiando. meus deus! o ônibus! olho pro lado e o vejo vir em velocidade até mim. depois, era tudo escuro.

terça-feira, 11 de maio de 2010

o vendedor de lupas

por guilherme bernardes

enquanto as pessoas seguiam dando desculpas
ele continuava vendendo suas lupas
enquanto as pessoas seguiam perdendo suas lutas
ele continuava vendendo suas lupas
enquanto as pessoas seguiam pagando suas putas
ele continuava vendendo suas lupas
enquanto as pessoas seguiam se escondendo nas grutas
ele continuava vendendo suas lupas

mas por que tanta preocupação com um mero
vendedor de lupas
que até hoje nem sequer teve
seu primeiro cliente?

acho que porque,
diferentemente das outras pessoas,
que acham que enxergam perfeitamente,
eu tive coragem de admitir,
economizar,
parar em frente ao banco
e pedir:

"por favor, senhor,
gostaria de comprar uma lupa."

"pois não, meu jovem.
qual dessas você prefere?"

"a que for maior,
mais bonita,
melhor
e que me faça, finalmente,
ver tudo que existe ao meu redor.
de bom, de ruim, de feio ou maravilhoso.
o senhor tem uma dessas?"

"oh, meu jovem...
peço-te mil perdões,
mas não fabricam mais lupas como estas.
as pessoas pararam de comprá-las,
então desistiram de fazê-las.
mas podemos fazer um acordo.
fique com a minha e,
quando chegar a hora certa,
passe-a adiante."

agradeci o senhor e
fui pra casa, mas
nunca mais pude enxergar o mundo
do mesmo jeito
desde que conheci
o vendedor de lupas.

o funeral

por guilherme bernardes

ele sentia como se
o mundo todo
tivesse uma enorme dívida
com sua obra.

anos a fio ele escreveu,
pensou,
achou respostas que pareciam
impossíveis,
mas ninguém quis pagar pra ouvi-lo

ele sabia que estava certo.
seu niilismo era abatido,
pelo fanatismo
quase religioso,
com sua própria verdade
sem comprovação científica.
apenas a certeza
interior
que por muitas vezes ele julgou.
estúpida.

o sentimento de
superioridade, junto com
a exclusão,
lhe transformaram num monstro.
a arrogância era sua arma
e
sua palavra, o ponto fraco.
contraditório ao máximo,
como qualquer outro pensador,
ele vivia pra compartilhar com o mundo
o que ninguém quer.

"não estão prontos pra mim", ele pensava,
mas estavam.
apenas não lhes interessava a verdade.
ou o que restou dela.
a fantasia,
que ele não conseguia imaginar,
devido a escancarada e horrorosa verdade
na sua frente,
é o que ele deveria dizer.

o poeta morre jovem,
por mais velho que ele seja.
é um anarquista sentimental e entorpecido
que se recusa a deixar o mundo sem ser ouvido.