segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

o espectador

por guilherme bernardes

eu esperava por tragédias. ansiava por poder ver aquele momento em que a vida fica pendurada por um fio. a cada estrondo diferente imaginava uma explosão, um tiro, uma batida de trânsito, qualquer coisa. alguém, nesse instante, tinha que estar prestes a morrer.

parei então de cuidar da minha própria vida. comecei a ficar atento a qualquer movimento alheio. torcia para que o pedestre tropeçasse ao atravessar a rua correndo enquanto os carros vinham em alta velocidade e, alí caído, fosse impossível de desviar. assim eu veria o choque e os miólos se espalhando.

passava em frente aos bares a fim de encontrar os bêbados nervosos em busca de confusão. por sorte, um dia consegui ver um deles ser atingido por uma garrafa bem na cabeça. admirei o vidro se estilhaçando e abrindo um corte profundo. o homem desmaiou quase que instantaneamente ao golpe. seu amigo, logo ao lado, tinha consigo uma faca, a sacou e, sem exitar, enfiou-a na barriga do outro. nisso, alguém vem de fora com uma arma e atira na cabeça do esfaqueador. pra mim isso não era assustador. era um deleite.

o sentido da minha vida só existia quando a vida dos outros, teoricamente tão frágeis quanto a minha, estava em perigo. havia beleza no olhar dos moribundos. havia beleza naquele duelo entre a vida e a morte que ocorria bem em minha frente. eu era sempre um espectador agradecido pelo espetáculo.

um dia, de tão distraído esperando um desastre, não vi o biarticulado que vinha correndo e me acertou em cheio, me matando quase que na hora. a última imagem que levei daqui foi um sorriso de satisfação no rosto de um desconhecido no exato momento em que fui atropelado.

domingo, 18 de dezembro de 2011

o susto

por guilherme bernardes

acordou assustado.
olhou pro lado
e
não viu ninguém.
levantou com pressa
e foi procurá-la.

não atendeu.

se entristeceu
e voltou
para seu quarto

quando vê
no chão um bilhete.

uma despedida simples
a qual ele lamenta não poder
ter visto, só
lido, e deita.

ela liga.

conversam e fica tudo
bem. ela esteve ali
o máximo que pode.
tomou conta dele.

felicidade é tê-la.
existência significante
encontra seu sentido na
variável de poder
chamá-la sua.