quinta-feira, 5 de julho de 2012

os ratos


por guilherme bernardes

odeio ratos.

são bichos nojentos e feios. não consigo suportar ter um perto de mim. mas toda vez que sou obrigado a pegar o último ligeirinho pro terminal do hauer, tenho que inverter o sentido pra pegar o alimentador, e sempre aparece pelo menos um. saem de baixo das plataformas dos biarticulados e vêm pegar restos de comida do chão e voltam correndo pras suas tocas.

tento evitar ficar encarando. não ia querer que um chegasse perto. prefiro que eles tenham medo. ainda bem que nunca nenhum deles desceu as escadas comigo. passo aquele túnel meio correndo, por causa do horário e por causa dos roedores malditos. é a única hora em que aceito que estejam a cima de mim. desde que estejamos separados por um monte de concreto, tudo bem.

lá pelas dez da noite, o terminal ainda está cheio. pessoal voltando das aulas, na maioria. então eles ficam escondidos. muita gente nem deve saber que eles estão lá. animais pacientes, eu admito. se saíssem antes da hora, algum escandaloso iria chamar um fiscal da urbs, um segurança, qualquer merda, pra avisar e pedir pra prefeitura tomar uma providência. eles só saem a noite. e num horário seguro. posso até considerar a esperteza deles. mas ainda assim os odeio. muito.

se eu pudesse, acabaria com todos eles. mas não tenho o empenho de o escandaloso ser eu. se eles não estiverem no meu campo de vista, foda-se. são só alguns segundos de aleatórias noites na semana que sou obrigado a lembrar da supérflua existência deles. sempre quis ter coragem suficiente pra eu mesmo eliminá-los um a um.

cheguei no hauer cansado. tinha sido um dia difícil. ainda tinha alguns minutos até meu próximo ônibus chegar e decidi tomar logo uma atitude. vi o primeiro e fui atrás dele. ele me percebeu como uma ameaça e se escondeu num buraco da plataforma. não pensei duas vezes. simplesmente mergulhei e entrei naquela toca. agora eu era um intruso no mundo deles. mas era um mundo que eu queria que fosse só meu.

lá dentro vi que ele não estava sozinho. uma ninhada enorme estava junto dele. todos eles me olhavam com raiva. não tive medo de nada. reconheci o filho da puta que me fez entrar ali e me estiquei para agarrá-lo. acho que ele nem acreditou no que estava acontecendo. quanta audácia desse estrangeiro!, ele deve ter pensado. não me importa. ele se debateu um pouco, tentou escapar, mas eu o encurralei. segurei-o com força e o trouxe até a boca. seus gritos eram de pavor. estava pedindo por ajuda. comecei a sentir que alguns estavam vindo em minha direção. achei melhor acabar com aquela barulheira. numa só dentada lhe arranquei a cabeça.

o berro cessou. mas o ataque, não. dezenas de ratos me mordiam as pernas, os braços, a barriga. mas nenhum conseguia chegar perto do meu rosto e sair ileso. era só se aproximar o suficiente e eu o mordia com toda a minha superioridade física, deixando-o desmembrado e morto. fui criando uma pilha deles ali embaixo. até que não restou mais nenhum. me senti satisfeito.

no dia seguinte precisei fazer a mesma rotina. cheguei no terminal e o fedor era insuportável. já era tarde e chovia. imaginei como aquilo devia estar durante o dia, no sol que fez. acho que só eu sabia de onde vinha aquilo.

Um comentário:

  1. Convivo com ratos audaciosos, vestem roupas bonitas, raspam os pelos, forjam um sorriso e pagam pela comida. Ninguém acha anormal.

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