quinta-feira, 28 de abril de 2011

a culpa

por guilherme bernardes

às vezes eu queria não depender de ninguém. não ter responsabilidades, horários. não sei se seria isso um exercício de real liberdade ou se é só pura preguiça de tomar atitudes, de assumir compromissos. o fato é que eu não gosto de decepcionar as pessoas. não dou a mínima que elas não gostem de uma coisa que eu odeio, mas me sinto mal se eu sou o único que gosta de algo mal visto. seria bom que ninguém não esperasse nada de mim. de certa forma, eu não espero muito dos outros. mas não é nesse mundo que vivemos.

em discussões de boteco, que de vez quando se prolongam até no banco do ônibus, lembrei de como não estamos no controle. como por muitas horas, pra não dizer todas, do seu dia, seu destino está nas mãos de outras pessoas. o motorista do seu ônibus pode estar num mal dia. você não sabe se a mulher dele o deixou. se perdeu algum parente recentemente. se seu filho está envolvido com drogas. se dividas o estão sufocando. por tudo isso, ele pode estar numa depressão imensa e, simplesmente, querer se matar. e talvez leve todo mundo no ônibus junto. não dá pra saber.

também não dá pra ficar com isso na cabeça o tempo todo. caso contrário, você não vive. ou será que vive? também não dá pra saber, porque ninguém faz isso. e é exatamente nisso, nessa certeza que temos no incerto, a razão da confiança no motorista. vivemos num mundo onde é impossível não depender dos outros. mesmo que você seja um eremita, você depende de uma série de fatores, já que o lugar onde você mora deve ser de alguém – porque também vivemos num mundo em que tudo tem dono – e a conservação desse lugar não depende só de ti. até indiretamente, como questões de poluição e desmatamento, há sempre uma maneira em que o outro vai estar presente na sua vida.

ruim de admitir. tão ruim que você prefere fingir que não sabe disso. toma um trago, fuma um cigarro, pratica um esporte. usa uma válvula de escape só pra se sentir distraído. encontra no vício a saída para a indignação da sua falta de autossuficiência. e, sem querer, se torna mais uma vez, escravo do acaso. saber de tudo isso não vai te fazer melhor. talvez faça pior. mas é mais provável que tudo continue igual. quase sempre tudo continua igual, o que também é ruim de admitir.

o tempo passa desapercebido. por raras vezes é possível ter a impressão de ouvi-lo gritando “me aproveite! me aproveite!” e você acha que era só um carro que passou buzinando. e por vezes o próprio tempo não lhe dá tempo de aproveitar o tempo – como dizia aquela música. a desesperança na melhora, a descrença na esperança, a desmelhora na crença. afinal, a esperança é só uma prova de que as coisas não estão bem do jeito que deveriam estar. se eu acreditasse que o tempo existisse, poderia culpá-lo.

se eu acreditasse que qualquer coisa existisse eu a culparia. mas não tenho deus, não tenho metafísica, não tenho destino traçado. no momento, tenho um pacote de bolachas vazio e um copo de guaraná. mesmo que eu os culpe por, sei lá, minha forma física, a culpa é minha, que os como. engraçado. no fim das contas, depois desse discurso todo, reconheço que a culpa é só minha.

hoje eu acordei cansado. é quarta-feira e eu tenho muito o que fazer.

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