quinta-feira, 11 de agosto de 2011

samanta

por guilherme bernardes

eu tinha quinze anos e uma moral duvidosa. eu estava com raiva do mundo. com a falta de amor que existe nele. pregava por aí que eu não tinha sentimentos. algumas pessoas acreditavam, outras sabiam que era tudo uma máscara de alguém que tinha levado um pé na bunda um tempo atrás e não queria levar outro. eu tinha medo. mas eu também achava que admitir medo, ou até mesmo um erro, era só uma demonstração de fraqueza. não achava isso nada nobre.

me falaram que a samanta estava a fim de mim. não sabia o que ela poderia ter visto em mim. eu já tinha desistido da gabi, mas não me atraia muito pela samanta. ela era diferente de mim. era bem feminina. gostava de coisas bonitinhas e usava outras cores que não preto e branco. praticamente não dei bola.

um dia fomos ver uma nova esperança na casa dela. ela tinha cortado o cabelo. cabelos curtos sempre me atraíram bastante. fui perguntar se ela ainda estava na minha.

- e aí? acha que ainda consigo alguma coisa?

- ih, agora é meio tarde. ela disse que não quer mais.

isso foi o estopim para eu ficar definitivamente com vontade de ficar com ela. eu não queria ser o objeto de desejo de ninguém. eu queria transformar todo mundo em meus objetos. eu não ligava nada pra vontade dela, só pra minha. tinha que ser quando eu queria. eu dava as ordens. eu era o desalmado que dizia que o sol nascia no meu umbigo e se punha no meu saco.

pedi pra avisarem ela que agora eu estava a fim e que se ela ainda tivesse pelo menos algum resquício de vontade que se manifestasse logo. depois eu fui descobrir que foi tudo uma armação. ela nunca tinha ficado na minha antes. era tudo um esquema pra eu ficar com ela. geralmente se a garota dá bola o cara não dispensa. mas esse não era eu naquela época. ela era nova na coisa. era alguns dias mais velha que eu, mas bem menos experiente. ela não quis perder a chance e me procurou.

começamos a nos falar pela internet. até que tínhamos algumas coisas em comum. bem poucas. achava ela muito normal. eu gostava de me achar inteligente. eu era um merda exibido naqueles dias. hoje em dia, eu teria nojo de encontrar alguém que agisse como eu agia. eu a avisei de tudo. que eu não era um cara legal, que não ligava pra emoções e tudo aquilo, pra ela saber onde tava se metendo. pareceu não ligar. combinamos de nos encontrar e darmos uma volta.

passeamos pelo bairro e acabamos indo no recém feito calçadão da praia. sentados atrás do shopping, esperei o primeiro silêncio com mais de cinco segundos e a beijei. senti sua surpresa. estava meio relutante, mas logo deixou fluir. foi um longo beijo. mas não foi muito bom. pensei em lhe ensinar algumas coisas mais tarde.

fiquei alguns dias sem falar com ela depois disso. até que numa sexta saiu o pessoal todo de novo. era uma época que todos eram menores de idade e ninguém tinha dinheiro pra ir pra outra cidade ver um show ou qualquer coisa. a gente comprava uns vinhos baratos, umas cervejas, às vezes um conhaque ou uma cachaça, e bebia na rua mesmo. na praia era mais tranquilo. ela estava junto, mas eu não dei muita importância. até que a gabi chegou, com raiva nos olhos:

- você poderia ser um pouco menos indiferente, né, giovanni?!

senti o ultimato. a garota estava logo atrás, meio sem graça de ter sido preciso isso pra me fazer falar direito com ela, mas feliz de que eu fosse lá e segurasse sua mão. fizemos a volta pela praia em direção à casinha. era uma casa que só era habitada no verão. ainda faltava um ou dois meses. tinha uma varanda ótima, com uns arbustos que não deixava quem passasse na rua nos ver. mas nessa noite tinha gente demais pra isso. e a gente não tava nem aí. não estar nem aí era uma coisa que a gente fazia muito bem.

eu gostava de fumar naquela época, mas não quis fumar por causa da samanta. insisti e ela disse que tudo bem eu fumar um cigarro. mas depois pediu pra eu tomar uns bons goles de vinho pra tirar aquele gosto de fumaça da boca. não me importei com isso. quis ter um pouco de privacidade com ela e fui pra parte dos fundos da casa. era onde a gente mijava na parede, lavava a mão no tanque, tinha umas conversas sérias sobre a banda ou sobre nosso futuro. mas fui lá pra dar uns amassos. não tinha cheiro ruim. o lugar era bem aberto e existia alguém que limpava aquilo. nunca soubemos direito quem.

começamos a nos beijar e foi esquentando. tentei agarrar sua bunda. ela tirou minha mão de lá. tentei de novo e ela sempre não deixando. parei de beijá-la e lhe disse:

- olha, você sabe que eu não gosto muito dessas coisas sentimentais, né? sabe que eu não vou me apaixonar por você nem nada do tipo. pra isso funcionar, eu preciso de um estímulo físico. e pegar na sua bunda é um. se não der pra fazer isso, acho que não vai rolar.

que filho da puta.

- ah, tudo bem então. mas vai ter que dar uma volta na casa.

achei um preço justo e estúpido ao mesmo tempo. eu já estava meio alterado e não dei bola. fiz a volta caminhando e a encontrei me esperando nos fundos de novo. agora estava definitivamente bem melhor de ficar com ela.

eu ficava dias sem falar com ela e mandava uma mensagem ou fazia uma ligação rápida quando queria alguém pra passar um tempo. ela sempre vinha. eu a tinha na palma da minha mão. ela foi deixando eu me aproveitar mais. conseguia pegar nos seus peitos sem ela reclamar. mas ela dizia que preferia que eu pegasse na bunda. mas ela não soube separar as coisas como eu. ela começou a se apegar e tentou uma manobra arriscada.

eu percebi que ela estava se apegando e decidi que ia dar um fim naquilo antes que ela se machucasse mais. por mais que não tenha me apaixonado, não dá pra negar que eu ligava um pouco pra ela. a estratégia dela foi me chamar pra conversar.

- acho que desse jeito não vai dar. eu sabia que você era difícil, mas parece que eu sou um objeto pra você. talvez seja melhor a gente não continuar mais juntos.

ela achava que a gente estava junto. até lembrou no dia que fez um mês do nosso primeiro beijo. ela também estava meio chateada por eu ter dado um beijo em outra garota numa festa que ela não foi. acho que ela não tinha razão em ficar. de qualquer forma, o que ela queria que eu fizesse era dizer que eu ia mudar. que eu ia parar de agir daquela forma e tratá-la melhor. era só isso que ela queria ouvir. em vez:

- ah, pois é. eu estava pensando mesmo nisso. acho que seria melhor a gente não continuar mais nisso. - entrei no jogo dela pra não ficar tão chato.

ela ficou surpresa. seguiu seu caminho e eu segui o meu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário